Marcos Sacramento lança Caminho para o Samba com Tiago Torres da Silva

Chama-se Caminho para o Samba e resulta de uma ligação de dez anos do cantor e compositor brasileiro Marcos Sacramento com o letrista português Tiago Torres da Silva. Chega esta quinta-feira às plataformas digitais e em Março haverá espectáculo no Coliseu de Lisboa.

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Marcos Sacramento AURELIO OLIOSI

A origem é antiga, vem de uma amizade iniciada há dez anos, mas só com a pandemia é que tomou forma de álbum a parceria entre o cantor e compositor brasileiro Marcos Sacramento e o letrista português Tiago Torres da Silva. Deram-lhe o nome de Caminho para o Samba e é lançado esta quinta-feira nas plataformas digitais, com edição posterior em CD. Que estará à venda num espectáculo marcado para o Coliseu de Lisboa (no dia 23 de Março, às 21h30) intitulado Joana Amendoeira, Marcos Sacramento e Nuno Guerreiro cantam Tiago Torres da Silva. Marcos é um dos participantes no espectáculo, que reúne três vozes (com trabalhos recentes) das muitas para as quais Tiago Torres da Silva tem vindo a escrever canções.

Nascido em Niterói, no dia 27 de Julho de 1960, e com mais de três décadas a correr os palcos do mundo, Marcos Sacramento lançara já, em nome próprio ou em parceria, um considerável lote de álbuns: Modernidade da Tradição (1994, relançado em 1997 e 2008), Caracane (1998), Saravá, Baden Powell (com Clara Sandroni, 2002), Memorável samba (2003), Fossa nova (com Carlos Fuchs, 2005), Sacramentos (2006), Na cabeça (2009), Todo mundo quer amar (com Zé Paulo Becker, 2012), Autorretrato (2014), Aracy de Almeida, a rainha dos parangolés (com Luiz Flavio Alcofra, 2017). Isto além de participar em quase duas dezenas de colectâneas. As suas capacidades vocais e como músico têm sido reconhecidas por quem acompanha (e vai assim escrevendo) a história da música brasileira. Ruy Castro, por exemplo, disse dele em 2004: “Não é apenas um sambista perfeito, mas um cantor completo”. E Zuza Homem de Mello (1933-2020), em entrevista ao PÚBLICO, em 2015, ao escolher as vozes masculinas actuais que destacaria, incluiu-o numa curta lista: “Marcos Sacramento: muito bom.”

Onde até Tiago cantou

Caminho para o Samba nasceu, como já se disse, de uma relação antiga. Marcos explica: “Estamos comemorando dez anos de amizade. Eu já o conhecia de nome, porque o Tiago tem um trânsito muito grande aqui no Brasil, é parceiro de muitos compositores brasileiros, tem letras suas gravadas por muitos nomes consagrados, como Simone ou Maria Bethânia. Eu fui apresentado ao Tiago por um outro compositor, Zé Paulo Becker, com quem eu tenho um CD gravado. Ele disse: ‘Quero muito que você conheça o Tiago, porque vai dar samba.’ E acabou dando. Nós nos conhecemos, nos tornámos amigos, ele passa sempre o aniversário dele aqui no Rio de Janeiro, e a gente começou a compor.” Trocaram letras e músicas e, quando deram por isso, já tinham uma boa colecção que lhes permitia gravar um disco. Não foi imediato, devido a impedimentos de tempo e de agendas, até que se interpôs a pandemia. “Aí, eu pensei: vou fazer esse disco na minha casa. Trouxe todo o equipamento para cá e fiz um disco simples, de voz e violão, com algumas (poucas) participações. Foi a maneira de escoar essa produção recente e tão importante para nós, porque fala de coisas que a gente viveu nesses dez anos, com a assinatura forte do Tiago, um letrista e um poeta que tem uma assinatura vigorosa.”

Gravado nos dias 4 e 5 de Janeiro de 2021 na casa de Marcos, no Rio de Janeiro, as vozes de Joana e Tiago foram gravadas à distância. “A Áurea Martins é que, com todas as precauções, veio a minha casa gravar.” O técnico de gravação foi Daniel Vasques, sendo a masterização feita em Lisboa, por Carlos Fuchs. No disco participaram ainda Luiz Flávio Alcofra (violão, arranjos e direcção musical), Victor Neto (flauta) e Leandro Vasques (baixo).

Entre as várias faixas do disco (14 ao todo), há uma que se repete, como vinheta, com diferentes interpretações: por Marcos Sacramento, pela cantora e fadista portuguesa Joana Amendoeira, por Áurea Martins (uma cantora brasileira hoje com 81 anos, ligada durante muitos anos à boémia carioca) e por Tiago Torres da Silva. “Foi uma ideia do próprio Tiago. Amor é uma canção muito curta e nós entendemos que poderia funcionar como vinheta, permeando o disco. Porque ela é um convite a uma reflexão bem directa, como um hai-kai.”

“O Tiago tinha um sonho, que era ver uma das suas canções na voz da Áurea Martins, e como eu e ela somos muito amigos, ele me pediu que a convidasse. Achei a ideia brilhante, e assim nós temos a música se repetindo: abrindo o álbum comigo, depois com a querida Joana, que já gravou uma parceria minha com o Tiago, O avesso do destino (por sinal uma linda gravação), depois vem a Áurea e fecha com o Tiago, presente num álbum dele com a sua própria voz.”

No contexto do espectáculo no Coliseu de Lisboa, diz Marcos, será projectado um vídeo com a interpretação de Amor por Áurea Martins, evidenciando a sua associação a este trabalho.

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As capas dos dois discos que Marcos gravou em 2021

Um disco visual ditado pela pandemia

Praticamente ao mesmo tempo que gravava Caminho para o Samba, Marcos Sacramento gravou e lançou um outro disco, intitulado Crónicas do Apartamento 20. Do apartamento, porque foi gravado na sua casa, em confinamento; e 20 porque foi o ano do início da pandemia. “Ele foi concebido em 2020 e foi lançado em Abril de 2021 como álbum visual, um projecto contemplado pela Lei Aldir Blanc, feita a pedido a classe artística porque nós fomos dos primeiros a parar a trabalhar. O Aldir, o grande compositor, morreu de covid-19 logo no começo da pandemia [em Maio de 2020] e essa lei foi criada para subvencionar projectos artísticos. Eu fui seleccionado com esse projecto de gravar um álbum visual, músicas todas compostas por mim e que são crónicas dos momentos vividos em isolamento no apartamento.” Onde o vídeo foi filmado: “Em todos os aposentos, que não são muitos, porque é um apartamento modesto, mas tem uma linda varanda que se debruça sobre o centro do Rio, onde está a Lapa e outros lugares importantes da cidade. Fizemos um tour de force com uma equipa bastante reduzida e fizemos o que se chamámos de álbum visual, que tanto pode ser visto no meu canal do YouTube quanto ouvir, só ou áudios, nas outras plataformas digitais.”

Do ponto de vista musical, é um disco todo electrónico (a abertura lembra a de uma sinfonia), com curtos apontamentos instrumentais de sopros, violão e pandeiro. A direcção musical e os arranjos são de Daniel Vasques, engenheiro de som que trabalha habitualmente com Marcos.

O anúncio da pandemia, com as inerentes restrições e cuidados, serviu de pedra de toque: “Foi quando começou a nossa perplexidade, diante de uma situação tão inesperada. Da noite para o dia, você não podia sair mais de casa, não podia mais trabalhar, ir ao supermercado… Havia uma pandemia, uma coisa misteriosa que a própria medicina não sabia ainda explicar. E eu tento, nessas crónicas, com algum humor, ironia e também seriedade, fazer um diário de tudo o que eu vivi, para poder compartilhar com muitas pessoas, pelo mundo inteiro.”

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