Ordem dos Assistentes Sociais: o avesso da Democracia nos bastidores da ação governativa?

Seja qual for o Governo legitimado no próximo ato eleitoral, as e os assistentes sociais continuarão a exigir a conclusão do processo de instalação da sua Ordem profissional.

A poucos dias de um ato eleitoral não previsto, é importante fazer-se o balanço sobre o que foi feito e o que ficou por cumprir pelo Governo democraticamente eleito em 2019. Mas tal balanço não pode correr o risco de falta de seriedade e de sentido de justiça, não só porque a legislatura não foi concluída, como porque a mesma teve de responder a uma situação de emergência que obrigou a um esforço político e coletivo inesperado: a pandemia da covid-19.

O impacto da pandemia fez-se sentir na vida de muitos portugueses, exigiu ação governativa atempada e solidária; exigiu, também, empenho, perícia e resiliência de muitos profissionais, sendo de destacar os que exercem a sua atividade nos serviços de saúde e também os que desempenham funções nos serviços sociais.

E todos os portugueses tiveram conhecimento dos dramas vividos em setores relacionados com os cuidados aos cidadãos em situação de maior vulnerabilidade, designadamente os que, pela idade e/ou perda de autonomia, se encontram sob os cuidados de muitas instituições, os que pela sua condição de pobreza dependem de apoios de natureza solidária de organizações da sociedade civil e de autarquias, os imigrantes e refugiados cujos laços ainda não se firmaram na sociedade portuguesa.

Enquanto Presidente da Direção da Associação dos Profissionais de Serviço Social (APSS) e, sobretudo, como assistente social, acompanho desde sempre os efeitos das opções dos diferentes governos em matéria de políticas públicas, com especial atenção ao campo das políticas sociais. Enquanto associação, o nosso poder de interferência é relativo, uma vez que a lei não prevê poder disciplinar nem a obrigatoriedade de sermos ouvidos enquanto representantes de uma categoria profissional com o compromisso em dar voz aos interesses dos cidadãos com quem e para quem trabalha quotidianamente.

Tivessem, por exemplo, ouvido a APSS a propósito da Portaria 67/2012, que permitiu aumentar a capacidade dos lares com a ocupação de quartos por mais de duas pessoas, e não teria sido tão grave o problema dos surtos nas estruturas residenciais para pessoas idosas. E não se trata, apenas, de um problema de saúde, que deixará de estar na ordem do dia quando a pandemia nos sossegar: trata-se de assegurar a dignidade das pessoas que precisam de cuidados, trata-se do seu direito à privacidade e a viver uma vida tão semelhante quanto possível ao seu lar, à sua casa.

A nossa intenção ao informar sobre a não-obrigatoriedade de uma associação ser ouvida nas instâncias que definem as políticas públicas diretamente ligadas ao bem-estar social tem como propósito, também, a abordagem do processo de concretização da Ordem dos Assistentes Sociais, aprovada em 2019 pelo Parlamento, sob proposta do Partido Socialista e do Centro Democrático Social.

Publicada a Lei 121/2019 em 25 de setembro do mesmo ano, e após nomeação da Comissão Instaladora pelo ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social em janeiro de 2020, a Ordem continua sem instalação concluída por inação governativa e, saliente-se, por quebra de compromisso político do partido que, em 2019, reconheceu a legitimidade da pretensão das e dos assistentes sociais em se constituírem como organização pública profissional.

Na justeza da nossa pretensão à regulação profissional advogamos a formação académica específica em Portugal desde 1935, o reconhecimento da profissão pela sociedade e os créditos firmados no campo da intervenção social; incidimos, também, no compromisso relacionado com a defesa dos direitos dos cidadãos, o que exige dos profissionais o cumprimento de princípios éticos e regras deontológicas no contexto das relações construídas e desenvolvidas com esses cidadãos, com os restantes profissionais e com as organizações onde se inserem ou com quem se articulam.

As/os assistentes sociais estiveram reunidos em Convenção no passado dia 15 de janeiro. Para além da reflexão sobre o significado da não ação do Governo, o momento foi aproveitado para desconstruir argumentos e justificações sobre a demora no processo. A pandemia, de facto, não pode ser invocada para um atraso de mais de 700 dias.

Como não pode ser aceite o adiamento da instalação de uma Ordem, criada por Lei da República, com a justificação de intenção legislativa relacionada com a revisão do enquadramento organizativo das associações públicas profissionais. Quando passar de intenção a lei, a Ordem dos assistentes Sociais será objeto de avaliação da sua conformidade, tal como as demais Ordens. Porque, tal como afirmado na Convenção por personalidades sabedoras em matéria constitucional “não cabe ao poder executivo aplicar meras intenções legais ou usá-las como expediente para justificar a sua inação”.

Seja qual for o Governo legitimado no próximo ato eleitoral, as e os assistentes sociais continuarão a exigir a conclusão do processo de instalação da sua Ordem profissional.

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