Regulação económica: “o quarto poder”

Portugal é dos países da UE com mais entidades reguladoras (11 no total). Seria importante discutir o seu papel e modelo institucional neste período eleitoral.

A regulação económica é considerada como um “quarto poder”, ao lado dos clássicos poderes preconizados por Montesquieu: legislativo; executivo e judicial.

Trata-se de apurar a existência de uma falha de mercado num dado setor e de dotar certa entidade de poderes de autoridade para a corrigir. A regulação terá de ser desejavelmente independente, permitindo que a entidade se foque na correção da falha ou, em alguns casos, numa necessária regulação técnica.

A atuação das entidades reguladoras é vista benevolamente pela sociedade civil, porventura crente no estatuto de independência de que supostamente dispõem. Esta perceção tem contribuído para um menor escrutínio dos deveres de accountability, transparência e rigor que lhes são exigíveis.

Na verdade, é comum que atuem ao abrigo de soft law; de regulamentos desprovidos de norma habilitante ou de forma errática, fazendo do cumprimento das regras pelos entes regulados um exercício de navegação à vista.

Concorrem com esta situação novos fenómenos de portas giratórias, agora de rotação entre os próprios membros de entidades reguladoras; a captura do regulador, aqui por aqueles que nelas exercem funções relativamente aos que são nomeados pelo poder político ou, ainda, opções legislativas tomadas.

Por tudo isto, seria importante discutir o papel destas entidades no período eleitoral que se avizinha.

Dirão alguns que a atividade reguladora está condicionada pela UE pelo que pouco haverá a discutir. Nada de mais errado.

Há aspetos na regulação económica que merecem reflexão. Desde logo, o modelo institucional das entidades reguladoras.

Portugal é um dos países da UE com maior número de entidades reguladoras (11 no total). Poder-se-ia equacionar a fusão de algumas entidades, à semelhança do que sucedeu noutros Estados-membros. Veja-se o sector financeiro, em que se já equacionou a substituição do modelo tripartido (Banco de Portugal; Comissão do Mercado de Valores Mobiliários; e ASF-Autoridade de supervisão de Seguros e Fundos de pensões) pelo modelo twin peaks (como sucedeu na Holanda). A hipótese de fundir a regulação dos chamados setores em rede poderia igualmente ser equacionada (como na Alemanha).

O mecanismo de nomeação dos dirigentes das entidades reguladoras merece também ser ponderado, tendo em vista o reforço da sua legitimidade democrática.

O modelo de financiamento das entidades reguladoras precisa igualmente de ser examinado. Na maior parte dos casos, as receitas repousam numa lógica correta de auto-sustentabilidade financeira (com exceção da Autoridade da Concorrência), mas que tem conduzido, em alguns casos, à abundante criação de taxas reguladoras setoriais e a uma atuação “frenética” por parte de entidades reguladoras, motivadas pela ânsia de justificar os montantes cobrados.

Torna-se, assim, imperioso promover o respeito pela transparência e accountability destas entidades.

Este específico escrutínio não é suscetível de ser concretizado pelo poder judicial, atenta a conhecida a chamada doutrina Chevron, baseada numa decisão do Supremo Tribunal Federal dos EUA, de harmonia com a qual os tribunais devem ser deferentes para com as decisões das entidades reguladoras, limitando-se a intervir em casos de erro manifesto de direito ou de facto.

Dir-se-á que esta tarefa é realizada pela Assembleia da República, através da apresentação de um relatório de atividades anual. Porém, este modelo é pouco pragmático e manifestamente insuficiente.

Os clássicos poderes são escrutinados por via de mecanismos que não ignoram contrapoderes em que militam as associações, os media e a opinião pública. No caso das entidades reguladoras, o escrutínio democrático é pouco efetivo, o que contribui, aqui e ali, para alguma opacidade e dificulta a desejável prestação de contas (accountability).

É este seguramente o momento para discutir alguns destes aspectos, não deixando sem resposta a questão que já os romanos colocavam: quis custodiet ipso custodes (quem vigia os vigilantes)?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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