Estudos de pós-gradução e a saúde mental

A prevalência de sintomas de doenças mentais é maior em estudantes de doutoramento comparado com a população em geral altamente instruída, funcionários altamente instruídos com trabalhos exigentes e estudantes de ensino superior.

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@Daniel Rocha

Quando me debrucei sobre o primeiro ciclo do ensino superior, na última crónica, deixei em aberto o tema do impacto da saúde mental nos estudantes de pós-graduação (mestrado e doutoramento). Estes são particularmente cruciais, dado que produzem metade de toda a investigação universitária. Há muito pouca investigação nacional sobre este tema; no entanto, um estudo recente internacional indica que a crise de saúde mental nos estudos de pós-graduação é visível em 26 países, incluindo Portugal. Um em cada dois estudantes de doutoramento está em sofrimento psicológico e um em cada três apresenta sintomas que indicam a presença de uma doença psiquiátrica ou um elevado risco para o seu desenvolvimento. A prevalência de sintomas de doenças mentais é maior em estudantes de doutoramento comparado com a população em geral altamente instruída, funcionários altamente instruídos com trabalhos exigentes e estudantes de ensino superior.

A pandemia de covid-19 está a ter um forte impacto no meio profissional e estudantil, incluindo nos estudantes de pós-graduação: 71% dos 41 estudantes inquiridos consideraram que o confinamento prejudicou o desenvolvimento das suas dissertações ou teses. Além disso, a pandemia levou também a um atraso na comunicação dos resultados das bolsas de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, a maior fonte de bolsas de doutoramento em Portugal, com todos os prejuízos decorrentes na vida dos candidatos.

Muitos factores impactam a saúde mental destes estudantes. A escrita da tese é, por norma, uma tarefa solitária e existe uma cultura de presentismo na academia, por vezes fomentado pelos próprios orientadores, levando a que os estudantes trabalhem longas horas sem que isso se traduza necessariamente em maior eficiência.

A adaptação a um novo método de trabalho representa uma dificuldade acrescida. Até esta fase toda a aprendizagem fomenta tarefas predefinidas e a curto prazo: monografias, relatórios experimentais, exames… A investigação é o oposto: um projecto aberto sem fim à vista e sem notas ou avaliações que assegurem que se está a fazer um bom trabalho. O mundo académico, e por vezes o próprio orientador, promovem também a competição em detrimento da colaboração. Com a agravante de que, actualmente, a principal forma de avaliar a qualidade e o avançar da investigação é por comparação com o dos pares.

Para muitos estudantes que se estão a iniciar na investigação esta é também a primeira experiência de síndrome de impostor, um fenómeno psicológico que se traduz em sentimentos intensos de self doubt, apesar de sucessos concretos, fazendo com que se sintam uma fraude com um medo constante de falhar. A presença desta síndrome é agravada pela falta de representação de grupos minoritários presente nestes níveis da academia. O baixo sentido de pertença traduz-se também em altos níveis de ‘stress’ e até no desenvolvimento de ansiedade e depressão.

O factor económico também tem um forte impacto. O valor das propinas no mestrado é por vezes muito superior aos valores da licenciatura e tem sido aumentados nos últimos anos. Além disso, a maioria dos estágios integrados nos mestrados não têm ajudas de custo, comportando despesas adicionais. Este factor força muitos estudantes a arranjar um trabalho remunerado levando a novas dificuldades nessa conciliação entre o estudo e o trabalho.

Por último, a relação entre o orientador e o estudante é fundamental para uma boa investigação e uma boa saúde mental. Dados de 2018 mostram uma correlação entre a presença de ansiedade e depressão em estudantes de pós-graduação e a falta de apoio por parte do seu orientador. Orientadores que lideram motivando por inspiração e ideais levam a uma melhor saúde mental nos seus estudantes, enquanto um estilo de liderança autocrático não mostra ter impacto. O terceiro estilo de liderança, o laissez-faire, esse sim, tem um forte impacto negativo na saúde mental dos estudantes. Este estilo traduz-se numa liderança menos activa e presente, onde o líder espera para intervir apenas quando os problemas já são graves.

Um orientador presente, um plano de trabalhos concreto e realista, e planos alternativos, caso a hipótese em investigação não seja bem sucedida, são importantes para o sentimento de estabilidade nos estudantes de pós-graduação. Algumas medidas para potenciar estes factores poderiam passar por: encontros regulares obrigatórios entre o orientador e o estudante, limitar o número de estudantes orientados por cada professor, treino de liderança para novos orientadores, capacitando-os para supervisionar uma dissertação ou uma tese e a implementação de um comité que receba relatórios regulares dos progressos e medeie em casos de conflitos entre os estudantes e os orientadores. É importante também reconhecer que o sofrimento mental dos estudantes advém de um foco excessivo na medição do desempenho, de que as instituições de financiamento, os jornais e editores académicos e as instituições de ensino superior se devem responsabilizar.

Soluções individuais passam também por celebrar as pequenas vitórias, impor limites entre a vida pessoal e a vida profissional e conseguir dizer não (quando possível) a responsabilidades acrescidas. Dentro e fora da academia existem também grupos informais onde se pode adquirir novas estratégias para gerir o impacto desta nova vida académica. É importante não recear pedir ajuda aos orientadores, podendo-se estabelecer um método de trabalho que se adeque ao estudante, e, se necessário, procurar ajuda especializada.

O estudo pós-graduação não necessita de ser uma experiência penosa e a mudança depende de toda a academia.

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