EUA. Homens que perseguiram e mataram Ahmaud Arbery condenados a prisão perpétua

Travis McMichael, Gregory McMichael e William “Roddie” Bryan foram condenados a prisão perpétua pelo homicídio “arrepiante” de Ahmaud Arbery, um jovem negro que estava a correr perto de casa, no estado norte-americano da Georgia, quando foi perseguido pelos três homens.

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Travis McMichael (à esquerda), acompanhado pelo advogado e por Gregory McMichael (à direita). Pai e filho foram condenados a prisão perpétua Reuters/POOL
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Gregory McMichael Reuters/POOL

Travis McMichael, Gregory McMichael e William “Roddie” Bryan foram condenados esta sexta-feira a prisão perpétua pelo homicídio “arrepiante” de Ahmaud Arbery, um jovem negro que estava a correr perto de casa, no estado norte-americano da Georgia, quando foi perseguido pelos três homens brancos.

Os McMichaels, pai e filho, passarão o resto da vida na prisão, mas o juiz Timothy Walmsley decidiu que Bryan poderá pedir liberdade condicional depois de 30 anos na cadeia, a sentença mínima permitida por homicídio segundo a lei do estado da Georgia.

Antes da divulgação do vídeo do homicídio de George Floyd, em Mineápolis, o caso de Ahmaud Arbery recebeu pouca atenção a nível nacional e internacional. Arbery, de 25 anos, foi morto no dia 23 de Fevereiro de 2020 depois de ser perseguido por Gregory McMichael, de 64 anos, e pelo seu filho, Travis McMichael, de 34 anos, que seguiam numa carrinha.

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Protestos pela morte de Ahmaud Arbery REUTERS

Bryan juntou-se à perseguição depois de a carrinha dos vizinhos passar pela sua garagem. Com o telemóvel, começou a gravar a perseguição, captando Travis McMichael a disparar a espingarda à queima-roupa contra Arbery.

Nas declarações iniciais à polícia, os McMichael disseram que suspeitaram do envolvimento de Arbery numa série de furtos na zona, depois de o terem visto a sair de uma vivenda em construção. Pai e filho perseguiram o jovem numa carrinha durante cinco minutos e barraram-lhe o caminho.

Arbery, que não tinha nada consigo além das roupas de corrida e dos ténis, tentou contornar a carrinha sem nunca parar de correr, perante a ameaça de Travis McMichael, que estava armado com uma caçadeira. Após um breve confronto, em que Travis acusou Ahmaud de o tentar desarmar – sugerindo que agiu em legítima defesa –, o jovem foi morto com dois tiros no peito.

Nos vídeos das câmaras de segurança da propriedade em causa, divulgados em Maio, vêem-se várias pessoas a entrar e a sair do local desde Dezembro de 2019. Uma delas parece ser Arbery, mas há também imagens de dois jovens e de um casal, brancos, a entrar na vivenda em construção em alturas diferentes – o vídeo do casal foi gravado no dia em que Arbery acabaria por ser morto.

Mas esta fita do tempo só veio a ser conhecida do grande público no dia 5 de Maio, quando uma estação de rádio local publicou no seu site um vídeo gravado por um vizinho dos McMichael, William Bryan, de 50 anos, também ele agora acusado de homicídio e detenção ilegal de Ahmaud Arbery.

Bryan apresentou-se desde o primeiro momento como alguém que apenas estava preocupado com a situação, mas viria a ser acusado de ajudar os McMichael a perseguirem e a cercarem Arbery.

Sentença mais severa

O juiz Timothy ​Walmsley disse na audiência desta sexta-feira, no Tribunal do Condado de Glynn, em Brunswick, que deu aos McMichael a sentença mais severa que lhe era possível dar em parte por causa das palavras e acções “insensíveis” dos dois homens, que foram captadas em vídeo.

“São imagens arrepiantes e realmente perturbadoras”, disse o juiz sobre o vídeo captado por William “Roddie” Bryan com o telemóvel. As imagens mostram McMichael a apontar a espingarda a Arbery, quando o rapaz de 25 anos está a cerca de seis metros de distância. O juiz afirmou que Arbery foi “perseguido, baleado e morto porque os indivíduos aqui neste tribunal fizeram justiça com as próprias mãos”.

Minutos antes, os familiares de Arbery, visivelmente angustiados, tinham-se dirigido ao tribunal para argumentar que os estereótipos raciais levaram ao homicídio do corredor de 25 anos. Os advogados de defesa imploraram clemência, dizendo que nenhum dos três homens pretendia que Arbery morresse.

Em Novembro, um júri maioritariamente branco considerou Gregory McMichael, o filho Travis McMichael e o vizinho Bryan culpados de homicídio, agressão agravada, detenção ilegal e intenção criminosa de cometer um crime.

Jasmine Arbery, irmã de Ahmaud Arbery REUTERS
Wanda Cooper-Jones, mãe de Ahmaud Arbery REUTERS
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Jasmine Arbery, irmã de Ahmaud Arbery REUTERS

Linda Dunikoski, a advogada de acusação, argumentou que os dois McMichaels deveriam morrer na prisão, e apenas Bryan poderia tentar obter liberdade condicional, apontando para o que chamou de “um padrão demonstrado de vigilantismo” dos McMichaels.

Jasmine Arbery dirigiu-se ao tribunal com voz trémula para celebrar de forma poética a cor de pele do irmão, que disse ter sido percebida como algo assustador pelos seus assassinos.

“Ele tinha pele escura que brilhava ao sol como ouro. Ele tinha cabelo encaracolado. Ele tinha um nariz largo e a cor dos olhos era cheia de melanina. Estas são as qualidades que fizeram com que estes homens presumissem que Ahmaud era um criminoso perigoso. Para mim, estas qualidades reflectiam um jovem cheio de vida e energia que se parecia comigo e com as pessoas que amo”, disse a irmã de Ahmaud.

“Eles escolheram o meu filho porque não o queriam na comunidade”, disse Wanda Cooper-Jones, a mãe de Arbery, ao tribunal nesta sexta-feira. “Quando não conseguiram assustá-lo ou intimidá-lo o suficiente, mataram-no”. Na sentença, o juiz citou os comentários da mãe da vítima, dizendo que lhe pareceram “muito verdadeiros”.

"O objectivo era ter uma tarde em família"

Os advogados de defesa disseram que vão recorrer destas das condenações. Bob Rubin, advogado do jovem McMichael, disse que uma condenação perpétua sem possibilidade de apelar à liberdade condicional deve ser reservada apenas para “o pior dos piores”.

“O objectivo não era cometer um crime ou matar alguém naquele dia”, disse Rubin sobre Travis McMichael. “O objectivo era ter uma tarde em família.”

Nenhum dos três homens condenados usou o direito de se dirigir ao tribunal durante a audiência.

Os três homens também enfrentam um julgamento federal em Fevereiro por acusações de crime de ódio e de ofensa à integridade física grave por atacarem o jovem por causa da “raça e cor”. Os advogados de acusação argumentam que, erroneamente, aqueles homens brancos “presumiram o pior” sobre um homem negro que saiu para correr num domingo à tarde.

A defesa dos arguidos dependia de uma lei que já foi revogada no estado da Georgia e que permitia que os cidadãos detivessem pelas suas próprias mãos pessoas que achassem que estavam a fugir da cena de um crime.

A Georgia é um dos 28 estados norte-americanos onde ainda existe pena de morte, que pode ser aplicada em casos de condenação por traição, pirataria aérea e homicídio com determinadas agravantes, como tortura ou terrorismo, por exemplo.

O vídeo que contribui para a condenação dos três homens causou ondas de indignação quando surgiu meses depois do homicídio do jovem e ficou claro que nenhum dos envolvidos tinha sido ainda preso. O nome de Arbery passou a constar da lista daqueles invocados em protestos anti-racismo em todo o país que eclodiram após os homicídios de George Floyd e Breonna Taylor pela polícia.

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