Suspeitos do homicídio de Amhaud Arbery podem ser condenados a prisão perpétua

Os três homens brancos que perseguiram um cidadão negro durante a sua corrida numa área residencial no estado da Georgia, em Fevereiro, foram acusados de homicídio qualificado. Família acusa polícia de racismo e encobrimento.

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As acusações surgiram depois da divulgação de um vídeo, à semelhança do que aconteceu após o homicídio de George Floyd Reuters/Dustin Chambers

Os três norte-americanos brancos envolvidos no homicídio de Amhaud Arbery, um cidadão negro que foi perseguido e morto quando corria numa zona residencial do estado da Georgia, em Fevereiro, foram acusados de homicídio qualificado e outros crimes, e podem vir a ser condenados a prisão perpétua sem hipótese de liberdade condicional.

A acusação formal, anunciada na quarta-feira por um grande júri, é o mais recente sinal da reviravolta que ocorreu na investigação do caso em menos de dois meses, e em particular desde o início dos protestos anti-racistas motivados pelo homicídio de George Floyd por um polícia branco, no estado do Minnesota, a 25 de Maio.

Os três homens foram agora acusados de uma forma de homicídio qualificado que existe apenas nas leis do estado da Georgia (malice murder, homicídio com intenção de matar e sem provocação por parte da vítima); de quatro acusações de felony murder (homicídio cometido durante a prática de outro crime, sem ser necessário que haja intenção de matar); duas acusações de ofensa à integridade física grave; e duas acusações de detenção ilegal por pessoas que não têm autoridade nem justificação legal para o fazer, uma delas na forma tentada.

A Georgia é um dos 28 estados norte-americanos onde ainda existe pena de morte, que pode ser aplicada em casos de condenação por traição, pirataria aérea e homicídio com determinadas agravantes, como tortura ou terrorismo, por exemplo. 

No caso da acusação contra os três suspeitos não está em causa nenhuma das agravantes previstas na lei, pelo que a pena máxima a que podem vir a ser condenados é a prisão perpétua sem hipótese de liberdade condicional. 

Perseguição e morte

Antes da divulgação do vídeo do homicídio de George Floyd, em Mineápolis, o caso de Ahmaud Arbery recebeu pouca atenção a nível nacional e internacional.

Arbery, de 25 anos, foi morto no dia 23 de Fevereiro depois de ser perseguido numa carrinha por Gregory McMichael, de 64 anos, e pelo seu filho, Travis McMichael, de 34 anos.

Nas declarações iniciais à polícia, os McMichael disseram que suspeitaram do envolvimento de Arbery numa série de furtos na zona, depois de o terem visto a sair de uma vivenda em construção. Pai e filho perseguiram o jovem numa carrinha e barraram-lhe o caminho.

Arbery tentou contornar a carrinha sem nunca parar de correr, perante a ameaça de Travis McMichael, que estava armado com uma caçadeira. Após um breve confronto, em que Travis acusou Ahmaud de o tentar desarmar – sugerindo que agiu em legítima defesa –, o jovem foi morto com dois tiros no peito.

Nos vídeos das câmaras de segurança da propriedade em causa, divulgados em Maio, vêem-se várias pessoas a entrar e a sair do local desde Dezembro de 2019. Uma delas parece ser Arbery, mas há também imagens de dois jovens e de um casal, brancos, a entrar na vivenda em construção em alturas diferentes – o vídeo do casal foi gravado no dia em que Arbery acabaria por ser morto.

Mas esta fita do tempo só veio a ser conhecida do grande público no dia 5 de Maio, quando uma estação de rádio local publicou no seu site um vídeo gravado por um vizinho dos McMichael, William Bryan, de 50 anos, também ele agora acusado de homicídio e detenção ilegal de Ahmaud Arbery.

Bryan apresentou-se desde o primeiro momento como alguém que apenas estava preocupado com a situação, mas viria a ser acusado de ajudar os McMichael a perseguirem e a cercarem Arbery.

“Este é mais um passo em frente na tentativa de se fazer justiça a Ahmaud”, disse a procuradora responsável pelo caso, Joyette M. Holmes. “Vamos continuar a lutar activamente por justiça para esta família e para toda a comunidade.”

Quatro procuradores

Antes da publicação do vídeo, entre 23 de Fevereiro e 5 de Maio, havia dúvidas sobre se os suspeitos da morte de Ahmaud Arbery seriam acusados de qualquer crime.

O conflito de interesses entre a polícia, o gabinete da procuradora do condado onde o crime aconteceu e um dos suspeitos, Gregory McMichael – um investigador da polícia na reforma que colaborou durante anos com as autoridades locais –, levou o caso a passar por quatro procuradores.

Antes da entrega do processo a Joyette M. Holmes, uma procuradora negra da região de Atlanta, muito distante da zona sul da Georgia onde o homicídio aconteceu, houve dois afastamentos voluntários e um pedido de substituição. 

A primeira procuradora, Jackie Johnson, afastou-se do caso porque Gregory McMichael trabalhou no seu departamento quando estava no activo; o segundo, George E. Barnhill, saiu quando se descobriu que o seu filho foi colega de Gregory McMichael no gabinete da procuradora Johnson; e o terceiro, Tom Durden, pediu para ser substituído a 11 de Maio por “reconhecer que outra pessoa estará mais bem preparada para lidar com o caso de um ponto de vista dos recursos”, citou na altura o Washington Post.

Quando a quarta responsável foi nomeada, os advogados da mãe de Ahmaud Arbery aplaudiram a decisão e acusaram a polícia e os procuradores do sul da Georgia de estarem “fragilizados pelos atrasos nas investigações antes da divulgação do vídeo”.

Num relatório enviado pelo segundo procurador do caso ao chefe da polícia responsável pelas investigações, no início de Abril, George E. Barnhill deixou claro que não encontrou motivos para acusar nenhum dos três suspeitos. 

“Travis McMichael, Greg McMichael e Bryan William estavam a perseguir um suspeito de assalto a residências, no seu bairro, e pediram-lhe que parasse. A intenção deles era deter o suspeito até à chegada da polícia. De acordo com a lei da Georgia, isso é perfeitamente legal”, escreveu o procurador, na mesma carta em que deu conta do seu afastamento voluntário após uma queixa de conflito de interesses feita pela mãe de Ahmaud Arbery.

“Ela vê um conflito no facto de o meu filho trabalhar no Gabinete do Procurador do Distrito de Brunswick, de onde Greg McMichael se reformou há algum tempo. Ela acredita que há uma relação entre as partes [não há] e fez outras acusações sem fundamento. Por isso, acho que a melhor decisão é afastar-me do caso”, disse o procurador.

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