Reino Unido e França trocam acusações sobre morte de 27 pessoas no Canal da Mancha

Governo britânico diz que a solução passa por reforçar o patrulhamento nas praias francesas, e o Governo francês acusa o Reino Unido de “não controlar bem a migração ilícita”. Sete mulheres, uma delas grávida, e três crianças morreram no naufrágio.

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Um grupo de pessoas prepara-se para se fazer às aguas do Canal da Mancha perante o olhar da polícia francesa Reuters/GONZALO FUENTES

A morte por afogamento de 27 pessoas que tentavam chegar a território britânico através do Canal da Mancha, na quarta-feira, veio aprofundar divisões antigas entre os governos do Reino Unido e de França sobre a responsabilidade no controlo da rota de migração entre Calais, no lado francês, e Dover, no lado britânico. Os dois países concordaram que é preciso fazer mais para travar o aumento do número de mortes na Mancha, mas trocaram acusações sobre quem deve fazer as principais mudanças.

Apenas duas pessoas sobreviveram quando um pequeno bote insuflável se afundou ao largo de Calais, na quarta-feira, no mais trágico acidente com migrantes e requerentes de asilo de que há registo no Canal da Mancha. Entre os 27 mortos estão 17 homens, sete mulheres — uma grávida — e três crianças. Segundo os jornais franceses, os passageiros da embarcação eram, na sua maioria, curdos do Iraque e do Irão.

Ouvida no parlamento do Reino Unido, esta quinta-feira, a ministra do Interior britânica, Priti Patel, disse que falou ao telefone com o seu homólogo francês, Gérald Darmanin, a quem renovou uma proposta de patrulhamento conjunto nas costas francesas.

Segundo a ministra, o seu Governo fez uma proposta “muito, muito significativa” ao lado francês, para a partilha de equipamento tecnológico e para o envio de polícias britânicos, que seriam integrados nas forças que patrulham as praias da região norte de França. O objectivo é “fazer o que for preciso para que pessoas vulneráveis não arrisquem as suas vidas em embarcações frágeis”, disse Patel.

Mas a ministra deixou claro que, no seu entendimento, a principal responsabilidade pelo aumento do número de partidas de migrantes e requerentes de asilo da região de Calais, em direcção à ilha britânica, é do Governo francês. Em resposta a um deputado do seu partido, que a desafiou a dizer se concorda com a afirmação de que a chave para impedir mais mortes no Canal da Mancha está nas mãos do Presidente de França, Emmanuel Macron, Patel foi directa: “O meu amigo está absolutamente certo, daí a conversa de ontem entre o primeiro-ministro [Boris Johnson] e o Presidente Macron.”

França pede ajuda

No lado francês, o ministro do Interior, Gérald Darmanin, concordou com a necessidade de Londres e Paris trabalharem em conjunto, mas disse que a questão não se resolve com um aumento do número de polícias ao longo da costa. A área, com uma extensão superior a 200 quilómetros, “tem de ser vigiada 24 horas por dia, sete dias por semana, e bastam cinco ou dez minutos para pôr na água um barco cheio de migrantes”, disse à BBC o deputado francês Pierre-Henri Dumont, dos Republicanos.

“A principal responsabilidade é dos contrabandistas”, disse o ministro dos Interior francês, esta quinta-feira, numa entrevista à rádio RTL. “Estamos a falar de organizações mafiosas que operam na Bélgica, nos Países Baixos, na Alemanha e no Reino Unido. Sim, a França e o Reino Unido têm de trabalhar em conjunto. E não podemos continuar a ser os únicos países a lutar contra estes contrabandistas.”

Gérald Darmanin criticou o Reino Unido e os seus vizinhos no continente europeu, avançando que uma das cinco pessoas que foram detidas nas últimas horas, por suspeita de organizarem a partida da embarcação que naufragou na quarta-feira, comprou barcos insufláveis na Alemanha.

O ministro francês acusou também o Reino Unido de “não controlar bem a migração ilícita”, dando como exemplo o número de expulsões nos dois países. “França expulsa cerca de 20 mil migrantes ilícitos por ano. O Reino Unido expulsa seis mil, cerca de quatro vezes menos do que França, apesar de o Reino Unido receber cerca de metade”, disse Darmanin.

“E é também a atractividade do Reino Unido que está em questão, em particular o seu mercado de trabalho”, disse o ministro francês. “Toda a gente sabe que há mais de um milhão de imigrantes em situação ilegal no Reino Unido, e que os empregadores usam essa força de trabalho para produzirem as coisas que os britânicos consomem.”

O Governo britânico também enfrenta a oposição interna do Partido Trabalhista, muito crítico dos planos da ministra do Interior para obter a aprovação de uma lei que permitiria enviar de volta para águas internacionais as embarcações com migrantes e requerentes de asilo a bordo — uma política seguida na Austrália.

“Pelo menos 27 pessoas morreram de forma trágica no Canal, mas a ministra do Interior insiste na abordagem que provocou essas mortes”, disse a deputada trabalhista Olivia Blake, no Twitter. “Recambiar embarcações não salva vidas nem protege as pessoas dos traficantes; isso só pode ser feito com rotas seguras para quem quer pedir asilo.”

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