O presente de Natal que a Igreja de Alcântara mais queria: um telhado

Como outras no centro envelhecido de Lisboa, a paróquia debate-se com dificuldades financeiras e o património arquitectónico é que sofre. Autarquia aprovou um apoio extraordinário às obras, que são o primeiro passo para uma reabilitação mais completa.

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O novo pároco só chegou há dois meses mas já está desenganado. É grande o desequilíbrio entre as colunas do deve e do haver. “Tudo somado, a igreja precisaria de cerca de sete mil euros mensais. Nem com muita oração”, brinca o padre António Borges da Silva.

Capelão militar que acompanhou missões portuguesas no Afeganistão, não é Alcântara que lhe mete medo. À chegada constatou que “a paróquia é quase insustentável financeiramente” porque tem “uma despesa enormíssima” em que é difícil cortar, mas a fé parece coisa inabalável. “Há casos que roçam o milagre, vencem todas as barreiras da improbabilidade”, afirma, num saber de experiência feito.

Situada logo ao princípio da Calçada da Tapada, a Igreja de Alcântara está diariamente à vista dos milhares de automobilistas que sobem e descem o acesso à Ponte 25 de Abril. A comunidade católica, porém, tem dimensões bem mais modestas e está longe de ser das mais abastadas de Lisboa. O edifício ressente-se da falta de verbas.

“Todas as paredes estão completamente danificadas devido às infiltrações. Há fissuras, empolamentos, há madeiras e caixilharias que estão podres”, desfia o padre António. O rosário de misérias tem origem directa no mau estado do telhado, que deixa entrar a água da chuva. E esta percorre as entranhas da igreja setecentista, deixando vulnerável o património arquitectónico e artístico que ali existe.

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Rui Gaudêncio
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Graças a um apoio financeiro de 147 mil euros da Câmara de Lisboa, cuja primeira fatia chegou esta terça-feira aos cofres da igreja, a paróquia vai poder substituir o telhado e fazer a conservação da cobertura. “Depois já vale a pena pensar em recuperar as pinturas”, deseja António Borges da Silva.

Receber um apoio camarário para as obras era, em boa verdade, um objectivo antigo em Alcântara. O anterior pároco, Miguel Pereira, promoveu uma candidatura ao Orçamento Participativo de 2019 e explicou então ao PÚBLICO que essa era uma das poucas vias disponíveis. Por um lado, verificou-se uma “falta de interesse mecenático por parte de entidades privadas”, como consta do protocolo assinado entre a igreja e a autarquia. Por outro, o Patriarcado de Lisboa só ajuda em casos excepcionais, porque, à semelhança das paróquias, também está dependente das doações de terceiros.

“A igreja vive da generosidade das pessoas. Apesar de ser fiel depositária de um património valiosíssimo, acaba por viver de esmolas”, diz António Borges da Silva. “Tenho esperança de que as pessoas, vendo os andaimes e a obra a andar, se tornem sensíveis. Mas não podemos estar à espera da generosidade das pessoas quando elas vivem com parcos recursos.”

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No seu Inventário de Lisboa, um guia patrimonial alfacinha publicado nos anos 1950, os olisipógrafos Norberto de Araújo e Durval Pires de Lima dedicam três páginas à Igreja de São Pedro em Alcântara. Este “em” é muito importante para que não se confunda este templo com o de São Pedro de Alcântara (que é um santo diferente), mas sobretudo para o distinguir da igreja primitiva, com o mesmo padroeiro, que existiu em Alfama desde o século XII ou XIII.

E como tanta coisa na história lisboeta, foi o Terramoto que lhe trocou as voltas. Destruída a igreja “inteiramente” em 1755, “a freguesia eclesiástica estanciou então num armazém ao Chafariz d’El-Rei, depois num abarracamento junto das ruínas da igreja antiga, até que em 1770 se instalou na ermida da Caridade, ao Calvário”, lê-se no livro. Uma década depois, a rainha D. Maria I doaria os terrenos necessários à construção de uma nova igreja.

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