Beco sem saída? O PS, o BE e o PCP querem correr esse risco?

Apesar de todas as limitações do Governo de Costa, um governo de Rio ou Rangel criaria toda uma outra dinâmica que mudaria Portugal para muito pior.

Tudo arrancou em 2015. Os resultados falam por si. As coisas mudaram. Acabou o discurso do empobrecimento. Ficou provado que era possível fazer melhor e fez-se. Até por isso, o PS voltou a ganhar as eleições, sem maioria absoluta. O veredito do soberano há dois anos foi claro.

Nessa altura inexplicavelmente a direção do PCP declarou que não aceitava acordos escritos. Foi o que o PS quis ouvir. Ficou com as mãos livres e a depender dos acordos por ocasião do Orçamento do Estado (OE). Negociava como, quando, com quem e o que queria. O PS lembrava-se dos “parceiros” por ocasião do OE e sobretudo do PCP, após o voto contra do BE, o ano passado. Assistia a uma espécie de competição entre PCP e BE, cada um entregue à sua estratégia, desprezando questões essenciais que tinham e têm em comum.

 Neste jornal, em 27/10/2021, o dirigente do PS, Ascenso Simões explicou: “À esquerda continuaremos o caminho pelo Estado Social (…); com o centro continuaremos a nossa caminhada pela economia de mercado (…); com a direita, continuaremos a tentar valorizar o nosso compromisso europeu, a nossa partilha atlântica, o compromisso institucional (…)”.

O PS determinará a sua postura em função de cada momento, às vezes ao centro e à direita, outras à esquerda. Está explicada a razão pela qual o PS manteve afincadamente várias medidas no mundo laboral de Passos Coelho impostas pela troika.

Entretanto, como o povo soberano decidiu não corresponder ao apelo do PS e não lhe deu maioria absoluta, Costa teria de ter em conta, se quisesse governar com a esquerda, as posições das outras esquerdas. Não podia, por ser o mais votado, partir do princípio de que governava como queria e quando precisasse do apoio dos outros partidos de esquerda eles aí estavam, pimpões, a fazer de bombeiros ao serviço do PS.

Nas negociações em torno do OE, o Governo deu passos no sentido positivo, só que num quadro da escolha de um menu integrado do OE. Encerrado o assunto do OE, encerrava a política de compromissos.

Chegados a este ponto, face aos avisos inesperados e intempestivos de Marcelo, colocava-se a questão: não seria melhor deixar passar o OE e assegurar as melhorias porque, em caso de eleições, a direita poderá ganhar? Os passos positivos serviriam para responder aos desafios energéticos, aos da saúde, com o esvaziamento constante de estruturas, serviços, e diminuição de enfermeiros e de médicos, aos do abandono escolar, aos da gravíssima crise na Justiça, aos da míngua em que vivem os trabalhadores da função pública? O PS com quem viria a fazer frente a estes desafios? Seria o tempo de aliviar o carrego nos mais fracos ou o de permitir ao mercado que descarregue a sua ira competitiva implacavelmente nos assalariados, agradando ao setor dominante de Bruxelas que quer a periferia periférica? Portugal terá inscrito o maldito fado de viver na área laboral com a legislação de Passos/Portas/Moedas? E a oferecer salários baixos que explicam que um em cada cinco portugueses sejam pobres? O PS não respondeu, e o seu rasto é conhecido.

Por outro lado, há três partidos à esquerda, sendo que o PS é significativamente o maior, mas tal facto não implica que possa fazer o quiser. Vejamos o caso da anterior coligação das direitas – o CDS não tem maior representação parlamentar que o BE ou o PCP, antes pelo contrário, porém, a sua responsabilidade no Governo de Passos era enorme, ao contrário da irrelevância que o PS atribui aos “seus” parceiros. O PS menoriza os partidos à sua esquerda. Sem entendimento dos partidos de esquerda não há política de esquerda.

O PCP e o BE votaram contra o OE e devem ter tido em conta que, havendo eleições, a situação ficaria melhor ou similar, porque se tal não acontecer erraram, aliás como o próprio PS incapaz de ceder em pontos ao alcance da negociação.

A política deve ter em conta os passos que se dão. Não se pode avançar dando armas e terreno aos adversários. Jerónimo de Sousa disse à RTP3 que os portugueses admiram e aplaudem o passo que o PCP deu. Se perder votos e peso na negociação, o argumento é uma falácia. O PCP não pode fugir ao desafio que assumiu e para o enfrentar não pode acantonar-se cheio de “razão” e com menos influência.

Condicionar o Governo é o que pretendem todos os partidos antes de serem os mais votados. Apesar de todas as limitações do Governo de Costa, um governo de Rio ou Rangel criaria toda uma outra dinâmica que mudaria Portugal para muito pior.

Saibam os três partidos, pelos menos agora, não persistirem nas recriminações, dando trunfos a Rio/Rangel. Será que o PS se quer apresentar ao eleitorado clamando que só há um modo de governar, sozinho? Quer correr esse risco? Ainda não deu conta que conseguiu governar mais de seis anos virado para a esquerda? Perdeu o retrovisor?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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