Cop26: a ilusão ambiental de Bolsonaro

Há uma promessa que o Presidente do Brasil parece empenhado em cumprir à risca: o fim do desmatamento ilegal da Amazónia antes de 2030. Porque, a este ritmo, muito em breve não haverá floresta amazónica.

No âmbito dos trabalhos da Cop26, o Governo brasileiro de Jair Bolsonaro foi um dos signatários da declaração para a proteção das florestas, o Forest Deal, assinado por mais de 100 países, destacando-se ainda a China, a Rússia e os Estados Unidos.

O Brasil assina esta declaração num contexto absolutamente crítico em termos ambientais, apresentando-se como um Estado-pária, isolado, detendo um histórico de incumprimento de acordos firmados internacionalmente e encarando a destruição da Amazónia como uma alavanca para a reeleição do seu Presidente.

Desde a sua tomada de posse em janeiro de 2019, Jair Bolsonaro tem executado exatamente aquilo que prometeu durante a campanha eleitoral: o desmantelamento do código florestal, a não demarcação de terras adicionais para as comunidades indígenas, a asfixia das principais agências ambientais, Ibama e Instituto de Conservação da Biodiversidade Chico Mendes (ICMBio) com quedas nos seus orçamentos superiores a 30% nos últimos três anos. Acresce a suspensão dos processos por crimes ambientais, o afastamento da sociedade civil dos órgãos de decisão (com a nomeação de militares sem experiência), o apoio a madeireiros e mineradores ilegais na tentativa de legalização da “grilagem” (ocupação ilegal de terras públicas recorrendo a documento forjados) e o congelamento do Fundo Amazónia, financiado pela Noruega e pela Alemanha, com uma dotação de 450 milhões de euros destinados a ações de mitigação da desflorestação.

O Governo brasileiro encara o meio-ambiente como uma fonte de riqueza infinita, perspetivando a sua defesa como um entrave ao desenvolvimento económico, e mostra-se incapaz de estabelecer um equilíbrio entre os parceiros da sociedade civil, com especial enfoque nas comunidades indígenas e quilombolas. Não reconhece a Amazónia como uma importante fonte de captura de carbono, essencial no combate às alterações climáticas, exemplar único do património mundial e legado insubstituível para as gerações futuras.

Sintomático desta visão é a devastação de uma área equivalente à cidade do Rio de Janeiro, correspondendo a 1224 km², registada em setembro deste ano. Este é o pior índice homólogo para o mês em dez anos, conforme os dados oficiais do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazónia).

Até ao momento, e apesar das pressões internacionais, todas as medidas efetivas do Governo brasileiro têm sido direcionadas no sentido de um desmantelamento da política florestal e dos códigos ambientais, não se vislumbrando qualquer ponto de inflexão.

Com uma política económica assente no neoliberalismo, a moeda brasileira tem registado depreciações sucessivas face ao euro e ao dólar, refletindo o seu risco político. A inflação acumulada a 12 meses atingiu em outubro os dois dígitos, 10.34%, um recorde desde a criação do Plano Real em 1994 e o desemprego situa-se nos 13,7% com 14 milhões de brasileiros sem trabalho.

Um conjunto de bancos de investimento, entre eles o JP Morgan e o Itaú Unibanco, perspetivam uma recessão económica com uma queda do PIB de 0,5% no próximo ano.

Aliada à linha ideológica do Governo brasileiro, onde o mercado decide a preservação do património ambiental, existe ainda a convicção por parte do Presidente brasileiro que uma redução no ritmo de desflorestação poderá levar a uma perda de apoio junto dos seus principais segmentos eleitorais, o setor do agronegócio e “ruralistas”, comprometendo as suas hipóteses de reeleição em 2022.

A argumentação da delegação brasileira na Cop26, liderada pelo ministro do Meio-Ambiente, Joaquim Leite, assenta na exigência de fundos internacionais para a preservação ambiental, com base no Acordo de Paris de 2015 relativo a potenciais créditos do mercado de carbono. Esta linha de argumentação permite, por um lado, desviar o foco das atenções dos recordes de desmatamento da Amazónia registados no último triénio e, por outro lado, pressionar a comunidade internacional para financiar uma suposta preservação ambiental sem monitorização externa.

Face às sucessivas promessas não cumpridas, o Governo norte-americano condiciona qualquer forma de cooperação com os homólogos brasileiros mediante “a apresentação de planos sólidos, com um foco implacável nos resultados”. Em simultâneo, mantém uma ligação estreita com 24 dos 27 governadores estaduais, que representam 90% do território brasileiro, visando criar canais alternativos de negociação e de estabelecer pontes para um eventual novo Presidente em 2022.

Com um discurso retrógrado e nacionalista, há uma promessa que Jair Bolsonaro fez na Cimeira do Clima e que parece empenhado em cumprir à risca: o fim do desmatamento ilegal antes de 2030. A este ritmo, muito em breve não haverá floresta amazónica.

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