Nova Lei do Tribunal Constitucional fez prescrever 82 processos de multas a partidos

Balanço de fim de mandato na Entidade das Contas e Financiamento Políticos revela total de prescrições devido a alteração legal. Partidos pouparam milhares de euros em coimas.

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Eduardo Figueiredo Dias foi o presidente da ECFP que teve de gerir a alteração legal Miguel Manso

O relatório de fim de mandato de Eduardo Figueiredo Dias (agora juiz do Tribunal Constitucional) à frente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) revela que houve um total de 82 processos de fiscalização aos partidos e campanhas eleitorais que prescreveram desde que a equipa tomou posse, em Outubro de 2017.

Por causa da alteração feita em 2018 à Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, que teve efeitos retroactivos – a que acresce a crónica falta de meios da Entidade -, deixaram de ser resolvidos todos os processos relativos às contas anuais dos partidos de 2010 e 2011 (25, no total), assim como os 57 processos abertos às campanhas eleitorais para as autárquicas de 2013. A estes somam-se ainda os processos relativos às contas dos partidos de 2009, cuja prescrição já tinha sido declarada anteriormente.

Desta forma, os partidos terão poupado muitos milhares de euros em coimas, senão alguns milhões, se tivermos como termo de comparação os 2,26 milhões em multas aplicadas entre 2005 e 2009, apenas por irregularidades cometidas na apresentação das contas anuais dos partidos – sem contar com as que o seriam em função dos 57 processos relativos às autárquicas de 2013.

Ainda assim, a ECFP dirigida por Eduardo Figueiredo Dias conseguiu recuperar boa parte dos processos que a sua equipa encontrou pendentes de decisão do Tribunal Constitucional – e que, com a alteração legislativa, passaram para as suas mãos. Em Setembro de 2018, a Entidade emitiu uma deliberação inédita em que alertava para o “gravíssimo risco de prescrição” de cinco anos de processos.

Referia-se em concreto às contas anuais de 2012, 2013 e 2014, aos processos por omissões de contas de 2015 e 2016, e as contas das campanhas das regionais dos Açores de 2012, das autárquicas de 2013, do Parlamento Europeu de 2014, das regionais da Madeira de 2015, das presidenciais de 2016 e da câmara de S. João da Madeira desse mesmo ano.

Apesar de não ter conseguido o reforço de meios permanentes como então dizia necessitar – tendo apenas podido contar com alguns funcionários em regime de mobilidade -, a ECFP conseguir dar andamento a grande parte daqueles processos, à excepção das contas das autárquicas de 2013. Os processos relativos às contas dos partidos de 2009 já tinham prescrito e as de 2010 e 2011 acabariam mesmo por prescrever.

Pesada herança

No final de 2017 os partidos aprovaram por unanimidade, e sem qualquer transparência, uma alteração à Lei do Financiamento dos Partidos que acabava com os limites para angariar fundos e concedendo a si próprios a garantia de devolução total do IVA. Ao longo de nove meses de discussão no Parlamento, um grupo de trabalho dito “informal” e que funcionou sempre à porta fechada, sem que os jornalistas pudessem acompanhar as discussões, tinha preparado alterações legislativas sem deixar rasto documental que significaria um “bónus milionário” para os partidos.

Depois de revelado pelo PÚBLICO e apesar da unanimidade na aprovação da lei, o Presidente da República vetou o diploma. Os deputados acabariam por rever os aspectos relativos ao IVA, mas não a alteração à Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (TC) que vinha anexada à lei do financiamento partidário e que passava as competências do TC nesta matéria para a ECFP, com efeitos retroactivos.

Nessa altura, era já claro que seria deixada à ECFP uma pesada herança, com pelo menos 24 dossiers de contas que estavam pendentes de decisão do TC e que, com a nova lei, voltavam à estaca zero. Tanto mais que a nova lei, que previa um enorme aumento de competências para a Entidade, não trazia consigo qualquer reforço de meios.

Na deliberação de Setembro de 2017, em que alertava para o “gravíssimo risco de prescrição” de cinco anos de processos atrasados, a direcção de Figueiredo Dias alertava a “situação de quase ruptura” da Entidade e para “duas necessidades imperiosas”: a definição de um “quadro de pessoal próprio, reforçado” e uma “equipa de recuperação de pendências”. Não conseguiu nem uma nem outra, apenas alguns funcionários em regime de prestação de serviço ou em mobilidade.

Neste relatório de fim de mandato, volta a lamentar o facto: “O reforço de competências da ECFP não foi acompanhado pelas alterações legislativas e regulamentares necessárias” ao exercício da sua missão. “Sublinhamos que o actual número de colaboradores ao serviço da Entidade (quatro técnicos superiores, dois assistentes técnicos e um assistente operacional) é insuficiente para responder aos enormes desafios”.

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