Ex-presidente da CP diz que empresa não sobrevive à concorrência sem saneamento da dívida

Nuno Freitas defendeu no Parlamento que a empresa não deve ser gerida “como uma repartição pública”

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Nelson Garrido

O ex-presidente da CP Nuno Freitas avisou esta quarta-feira no parlamento que, sem o saneamento da dívida histórica e a saída do perímetro orçamental do Estado, a empresa “não vai sobreviver à concorrência”.

“Não vale a pena ir procurar gente que conhece o negócio, não vale a pena ir à procura de alguém que conhece profundamente o negócio do caminho-de-ferro em Portugal, para depois a empresa ser gerida como uma repartição pública”, disse Nuno Freitas em audição parlamentar na Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, onde foi chamado, a requerimento do PSD, para prestar esclarecimentos sobre a sua decisão de abandonar o cargo no final do passado mês de Setembro, três meses antes do final do mandato.

“Por isso”, acrescentou, “é que dizemos que é imperativo concretizar o saneamento da dívida histórica, porque esse é o primeiro passo para podermos tirar a CP do perímetro orçamental do Estado e a CP poder ser gerida da mesma forma que é gerida qualquer empresa da sua dimensão”.

Recordando que, com excepção do Japão, “no mundo desenvolvido não há um país que não tenha a sua companhia ferroviária pública”, o gestor alertou que “no sector ferroviário planeia-se, no mínimo, a 10 anos de distância”, vivendo-se actualmente um contexto em que, face às “rígidas restrições ambientais” que se aproximam, “a Europa aponta para uma mobilidade mais sustentável”.

“O papel da CP será determinante para que o país possa conseguir cumprir todos estes novos requisitos”, sustentou Nuno Freitas, alertando, contudo, que se a empresa “não puder concorrer em igualdade de circunstâncias, num mercado que está a ser aberto à concorrência, tudo isto se pode perder”.

Reiterando que “uma empresa de caminho-de-ferro não pode funcionar como repartição instrumental do Estado”, Nuno Freitas disse que, “por isso mesmo, quando foi assinado o contrato de serviço público, havia o compromisso de concretizar o saneamento da dívida histórica da CP”.

“Quando falamos em dívida histórica, estamos a falar de dívida contraída, na sua grande maioria, para manter a prestação de um serviço público que a CP sempre foi obrigada a prestar pelo seu dono, nas condições por ele definidas, e sem a devida compensação por tal obrigação. Por isso é importante que se concretize este saneamento”, afirmou.

"Não vai custar nada ao OE"

Falando especificamente do saneamento que está previsto no OE para 2022, Nuno Freitas defendeu que, da dívida histórica de 2100 milhões de euros da empresa que o Governo prevê sanear, em grande parte, em 2022, “três quartos” não vão “custar nada ao Orçamento”.

“Dos 2100 milhões de euros de dívida histórica da CP, praticamente 1600 milhões, ou seja, três quartos desta dívida, é dívida à DGTF [Direcção-Geral do Tesouro e Finanças], é dívida ao Estado”, argumentou, sustentando ainda que estes “1.600 milhões de euros não é dinheiro que vai ser dado à CP” e “não vai custar nada ao Orçamento do Estado [OE], nem ao défice ou à dívida": “Isto já é dinheiro que a CP consolida com o Estado, portanto ninguém está aqui a dar este dinheiro à CP”, salientou.

O Governo prevê, no próximo ano, uma despesa excepcional de 1.815 milhões de euros com a CP - Comboios de Portugal, empresa que detém uma dívida histórica superior a dois mil milhões de euros. De acordo com o relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado, o Ministério das Finanças inscreveu um valor de 1815 milhões de euros em despesa excepcional para 2022, a título de dotações de capital, para a operadora ferroviária. Em 2021, este valor era de 70 milhões de euros.

O ex-gestor da empresa alertou ainda que, “a seguir ao saneamento, também é necessário tirar a CP do perímetro orçamental do Estado, para que a gestão da empresa possa ser uma gestão profissional, eficiente e, acima, de tudo escrutinável”. O ex-presidente avisou que, de outra forma, “a CP não vai sobreviver à concorrência”, quando “tem as competências todas para poder concorrer em igualdade de circunstâncias e de forma muito forte”.

Nuno Freitas salientou que a saída da CP do perímetro orçamental do Estado “não significa que não deve haver controlo, e apertado, da actividade": “Deve haver, claro. Deve haver um plano estratégico, deve haver um orçamento, deve haver avaliações periódicas e deve haver uma responsabilização da gestão”, sustentou, questionando “porque é que a CP não pode trabalhar como a Renfe, em Espanha, [...] e como praticamente todas as companhias nacionais da União Europeia?”

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