A casa explodiu e Nina viu a generosidade surgir dos escombros

No fim de 2020, uma violenta explosão destruiu um prédio na Rua de Santa Marta, em Lisboa. Dez meses depois, falta só um pequeno esforço para que os proprietários possam seguir com a sua vida. Artista plástica lança exposição e angariação de fundos.

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Rui Gaudêncio
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Nina Fraser ainda se espanta com a generosidade dos outros. “Eu não sou portuguesa, não tenho família cá, a comunidade sempre foi o meu ponto de apoio. Mas eu não tinha noção de quanta comunidade já tinha aqui, só descobri quando as pessoas começaram a aparecer.”

E apareceram logo às primeiras horas. Ainda ela e Paulo, o companheiro, estavam a interiorizar o que lhes tinha acontecido e já uma amiga lançava uma campanha de angariação de fundos na internet. Pouco depois era outra pessoa que lhes cedia um tecto por umas semanas, mais tarde apareceu alguém a doar coisas para a casa.

A 20 de Dezembro de 2020, um domingo, Nina, Paulo e a filha dele estavam a dormir quando uma violenta explosão fez colapsar o prédio em que viviam, na Rua de Santa Marta. Saíram ilesos, mas perderam tudo o que era seu – à excepção de uma guitarra. “Sair dali sem um único arranhão foi incrível”, pondera Nina Fraser agora, dez meses volvidos.

Para ela é chegado o momento de encerrar este capítulo e seguir em frente. Home, a exposição que abriu esta sexta-feira no Espaço Cultural Mercês, ao Príncipe Real, serve esse propósito. Debateu-se no último ano com pensamentos confusos, contraditórios, preferiu muitas vezes conservá-los para si. Agora mudou de atitude: “É melhor para mim falar disto, exteriorizar.”

Nina Fraser, artista plástica, nasceu nos arredores de Londres e mudou-se para Lisboa em 2014, precisamente para a casa de Santa Marta que veria em escombros sete anos depois. “Desapareceu tudo. Cartão de identidade, cartão bancário, telemóvel, as coisas básicas em que nunca pensamos.” Mais tarde, num dia de chuva, ela e Paulo teriam uma experiência “bastante dramática” quando foram chamados “a um aterro em Odivelas” e viram as suas coisas “numa pilha”. Não trouxeram qualquer objecto.

“Quando pensamos no que realmente precisamos, não precisamos de assim tanto”, conta Nina. Considera-se afortunada. Dois vizinhos que habitavam no primeiro andar morreram. Ela diz que, apesar de tudo o que lhe aconteceu, teria sido pior se tivesse perdido a sua arte.

Home mostra cem obras produzidas entre 2015 e 2021. São sobretudo colagens que jogam com a ideia de “casa”, mas não há referências explícitas à sua. Com uma única excepção: cada peça está à venda por 100 euros para ajudar a pagar as despesas que a casa desaparecida ainda dá. Ao mesmo tempo decorre uma nova campanha de angariação de fundos online. Aos proprietários do prédio, completamente destruído, cabe a responsabilidade de limpar o terreno e estabilizar os edifícios vizinhos.

Uma resolução de ano novo

Nina diz que sente algum pudor em pedir novamente ajuda, mas está convicta de que será a última vez. Nas duas semanas seguintes à explosão, que coincidiram com o Natal e o Ano Novo, habitaram na casa do irmão de Paulo. Uma amiga emprestou-lhes depois um apartamento na Graça, próximo do estúdio onde Nina trabalha. “Janeiro foi muito intenso. Estive sempre a lidar com doações de pessoas, fui a casa de uma amiga que se ia mudar e enchi cinco sacos de coisas para a cozinha”, relata.

O serviço de Protecção Civil da Câmara de Lisboa dispôs-se a ajudar na busca de casa, mas dois telefonemas bastaram para a relação esfriar. Agora que lhes é exigida a obra de limpeza e estabilização, Nina lamenta que a autarquia nem sequer se disponha a pagar a presença de um polícia no local, como é exigido. “Nunca pensamos que nos pode acontecer. A responsabilidade está sempre no cidadão”, desabafa.

Quando a obra estiver concluída, tanto Nina e Paulo como os restantes proprietários vão poder vender a sua parte e recomeçar a vida noutro sítio. Para Nina, que em 2014 chegou a Lisboa precisamente com o intuito de se reinventar, não será novidade. Mas antes de virar definitivamente a página quer deixar qualquer coisa, uma espécie de favor em cadeia: 10% do montante angariado vai reverter a favor da Crescer, uma associação que trabalha com pessoas sem-abrigo. “Pareceu-nos o correcto. A fronteira entre ter casa e não ter é muito ténue.”

Antes da explosão, o casal já andava a pensar em sair daquela casa e do centro de Lisboa. Depois, pensaram ainda mais a sério: “Quando não se tem nada sentimo-nos muito livres.” Agora, ainda na Graça, já escolheram o sítio onde querem viver a seguir. É como uma resolução de ano novo tomada em Outubro. Depois de Home, 2022 será o ano de uma nova casa.

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