Efeito Pandora Papers precipita derrota do partido do primeiro-ministro checo

O partido de Andrej Babis foi derrotado de forma surpreendente nas eleições legislativas. Oposição vai começar a negociar uma nova coligação governamental.

Foto
Andrej Babis foi penalizado pelas revelações dos Pandora Papers Bernadett Szabo / Reuters

Os checos castigaram o actual primeiro-ministro, Andrej Babis, que viu o seu partido sair derrotado nas eleições legislativas deste sábado. A oposição garantiu lugares suficientes para assegurar uma maioria no Parlamento e vai começar a negociar uma coligação governamental.

Chegou ao fim a experiência populista checa liderada por Babis, um multimilionário que ascendeu ao poder em 2017 com a promessa de “limpar” o país da corrupção, mas não resistiu aos efeitos adversos causados pela pandemia da covid-19 e à exposição negativa dada pelas revelações dos Pandora Papers.

O partido que fundou há uma década, o ANO (Acção de Cidadãos Descontentes), não foi sequer o mais votado, contrariando aquilo que a generalidade das sondagens apontava nos últimos dias. Por uma margem muito curta, a coligação de centro-direita Juntos (27,69%) ficou à frente do ANO (27,23%), ganhando de imediato o direito de iniciar conversações para a formação de um novo Governo.

O Presidente Milos Zeman, um aliado de Babis, tinha dito que iria dar a iniciativa de formação de um executivo ao líder do partido mais votado, mesmo que não houvesse de antemão qualquer cenário que desse origem a uma coligação estável – era o que poderia acontecer se o ANO fosse o mais votado.

O parceiro natural do Juntos será a coligação entre o Partido Pirata e o Stan, uma plataforma que junta autarcas e independentes, que alcançou 15,51% dos votos. Segundo a televisão checa, as duas formações garantiram 108 lugares no Parlamento, num total de 200. O líder do Partido Pirata, Ivan Bartos, celebrou o resultado que disse significar “o fim do domínio de Andrej Babis” e disse que as negociações para a formação do Governo vão começar de imediato.

Atrás ficou o Partido da Liberdade e Democracia Directa, de extrema-direita, que alcançou quase 10%. Um dos choques da noite eleitoral foi a pesada derrota do Partido Social Democrata, de centro-esquerda, que não conseguiu sequer superar o patamar mínimo de 5% para obter representação parlamentar, e foi punido eleitoralmente pelo apoio dado ao Governo de Babis. O mesmo aconteceu com o Partido Comunista que, pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, ficou de fora do Parlamento checo.

O analista Anton Spisak diz que a vitória da oposição na República Checa é “uma notícia importante para a União Europeia”. “Numa altura em que a UE está a ser confrontada com a rebeldia da Hungria e da Polónia, o próximo Governo checo será fortemente pró-europeu e o próximo primeiro-ministro, Petr Fiala, está no pólo oposto de Babis”, escreveu o especialista no Twitter, recordando que a República Checa irá assumir a presidência rotativa do Conselho da UE no próximo ano.

Aproximação a Orbán

Nos dias que antecederam a ida às urnas, Babis tentou tudo para inverter a tendência de queda nas sondagens que durava há já alguns meses e que parece ter-se acentuado com as revelações dos Pandora Papers. Durante a campanha, o multimilionário radicalizou o discurso, tecendo críticas muito duras à União Europeia, chegando até a defender a extinção do Parlamento Europeu, e prometendo medidas migratórias muito restritivas.

Ao mesmo tempo, Babis apareceu cada vez mais alinhado com o homólogo húngaro, Viktor Orbán, que até fez uma aparição num comício de campanha.

Nos últimos dias, prometeu subir os salários dos funcionários públicos e o valor das pensões, imune às críticas da oposição que alertou para a subida da dívida pública.

No entanto, os efeitos deixados pela pandemia penalizaram o Governo. A República Checa está entre os dez países com maior número proporcional de mortes causadas pela covid-19 em todo o mundo e o Governo é responsabilizado pela gestão deficiente, marcada por uma sucessão de cinco ministros da Saúde. A vacinação tem progredido a um ritmo lento e pouco mais de metade da população está imunizada contra o vírus.

Apesar do balanço negativo deixado pela pandemia, a melhoria da situação sanitária durante o Verão e o levantamento das restrições foram aliviando a pressão sobre Babis, que parecia destinado a, pelo menos, vencer as eleições.

No entanto, a revelação, a menos de uma semana das eleições, de que o multimilionário usou instituições financeiras em paraísos fiscais para comprar mansões de luxo no sul de França por 15 milhões de euros parece ter selado o fim da sua vida política. Babis passou a recta final da campanha a repetir que nada fez de ilegal ou errado, insistindo que o negócio exposto pelos Pandora Papers foi feito em 2009, antes de entrar na política.

Mas nenhuma explicação foi suficiente para conter o descrédito em que caíra, sobretudo depois de ter perdido irremediavelmente o epíteto de político contra a corrupção e contra a evasão fiscal que tanto o beneficiou há quatro anos.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários