Câmara dos Representantes aprova protecção do direito ao aborto nos EUA

Votação é uma resposta à ofensiva do movimento anti-aborto, que levou à aprovação de uma lei no Texas que proíbe a prática a partir das seis semanas. Iniciativa do Partido Democrata não tem hipótese de ser aprovada no Senado e não vai chegar à secretária do Presidente Joe Biden.

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A proposta foi levada a votação pela líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi Reuters/KEVIN LAMARQUE

A Câmara dos Representantes dos EUA aprovou, esta sexta-feira, uma proposta de lei que proíbe os vários estados norte-americanos de limitarem o acesso ao aborto antes das 24 semanas de gravidez, e depois disso nos casos em que há riscos para a saúde ou para a vida das mulheres.

A proposta foi aprovada apenas com os votos de congressistas do Partido Democrata (218) e teve a oposição em peso dos republicanos (211), aos quais se juntou um democrata.

É a resposta da maioria democrata na Câmara dos Representantes a uma nova lei aprovada no estado do Texas, que o Supremo Tribunal dos EUA se recusou, por agora, a travar.

A lei do Texas proíbe o aborto a partir do momento em que é possível detectar actividade cardíaca fetal – o que acontece por volta das seis semanas de gravidez, quando muitas mulheres não sabem ainda que estão grávidas.

Ao deixar que a lei do Texas se mantenha em vigor até que haja oportunidade para uma análise sobre as questões constitucionais de fundo, o Supremo dos EUA – em particular a actual maioria conservadora, que resultou da nomeação de três juízes pelo ex-Presidente Donald Trump – sinalizou que pode vir a enfraquecer a decisão histórica de 1973 conhecida como Roe v. Wade.

Falta de consenso

À falta de uma lei federal, é a decisão de 1973 do Supremo – e uma outra de 1992 – que estabelece os limites sobre a questão do aborto nos EUA. Em termos gerais, o aborto é permitido em todo o país até à “viabilidade fetal” (23 ou 24 semanas), sendo que os vários estados não podem impor medidas que limitem o acesso à prática, durante esse período, de forma desproporcionada.

Com leis como a do Texas (que proíbe o aborto a partir das seis semanas), o movimento antiaborto pretende que a guerra nos tribunais acabe por chegar ao Supremo dos EUA, na esperança de que a nova maioria conservadora reverta ou enfraqueça a decisão de 1973.

Para evitar que os juízes do Supremo intervenham no processo, o Congresso dos EUA teria de chagar a um acordo, entre democratas e republicanos, para a aprovação de uma lei válida para todo o território do país.

O primeiro passo foi dado esta sexta-feira, com a aprovação de uma proposta na Câmara dos Representantes. Mas é quase certo que o documento não vai chegar à secretária do Presidente Joe Biden, que é quem promulga as leis federais (que abrangem todos os estados) do país.

filibuster

Para além da aprovação na câmara baixa do Congresso (a Câmara dos Representantes), o Senado (a câmara alta) também tem de aprovar uma proposta equivalente. E isso não vai acontecer devido à oposição em bloco do Partido Republicano, pelo menos até ao fim da sessão legislativa, que termina em Janeiro de 2023.

Como acontece com a maioria das leis nos EUA, as várias propostas de lei são aprovadas por uma maioria simples na Câmara dos Representantes, mas podem necessitar de um mínimo de 60 votos no Senado (de 100 lugares), onde o Partido Democrata só tem 50 senadores.

Como é o caso das leis sobre o aborto – um dos temas que mais divide democratas e republicanos nos EUA –, o partido que está em minoria no Senado (neste caso os republicanos, também com 50 senadores, e com a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, a servir de voto de desempate) recorre a um procedimento conhecido como filibuster para impedir a aprovação de uma proposta de lei pela maioria.

Quando isso acontece, é necessária a aprovação de 60 senadores para que o debate sobre uma proposta de lei passe para a fase da votação final. No caso da proposta aprovada esta sexta-feira pela Câmara dos Representantes, o Partido Republicano irá certamente usar o filibuster e obrigar o Partido Democrata a fazer duas coisas praticamente impossíveis na actual situação – por um lado, manter todos os seus 50 senadores unidos (há pelo menos dois que são anti-aborto); e, por outro lado, convencer dez republicanos (ou 12, devido à oposição de dois democratas) a furarem a disciplina partidária e a arriscarem ser derrotados nas próximas eleições.

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