A desinformação científica na comunicação social

Como monitorizar e impedir a propagação mediática desta desinformação? Por via de critérios editoriais? Devem as instituições públicas e Ordens Profissionais pronunciar-se?

O jornal Le Monde, na edição de 24 de Agosto, deu conta de uma tomada de posição inédita do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), uma das mais importantes instituições mundiais de investigação, contra um dos seus diretores de investigação de sociologia. O comunicado do CNRS, fundamentado numa recomendação do seu Comité de Ética (COMETS), acusa o investigador de intervir no espaço público sobre a covid-19, uma matéria em relação à qual não está minimamente habilitado cientificamente para o fazer. Desde Março de 2020 este sociólogo publicou no jornal digital Mediapart sessenta e três análises consagradas à crise sanitária que refletem as posições dos grupos negacionistas e anti-vacinas.

O CNRS “lamenta as posições públicas tomadas por alguns cientistas, muitas vezes mais preocupados com a glória efémera dos media do que com a verdade científica, sobre assuntos longe das suas áreas de competência profissional”. De acordo com a recomendação do COMETS “o investigador que intervém no espaço público deve especificar em que capacidade fala, como especialista, como representante da sua organização de investigação ou como cidadão empenhado, ou mesmo ativista.” Esta posição está em linha com a preocupação já manifestada por este Comité em 2016 relativa à discussão e controle das publicações científicas através dos media e redes sociais.

Esta crítica do CNRS assenta que nem uma luva a alguns dos nossos comentadores residentes nas TV e articulistas de opinião que exibem as suas credenciais académicas para dissertar sobre matérias científicas, nomeadamente aquela que é tema desde o início de 2020, a covid-19.

Ouvir uma historiadora falar nas vacinas experimentais mRNA que podem mexer no seu DNA e uma psicóloga classificar a vacinação em crianças e adolescentes como crime contra a humanidade, com recurso a bibliografia retirada das redes sociais negacionistas, ouvir a teoria de um economista sobre a alegada cor vermelha de Marte, ou ler artigos de opinião de médicos contra as regras sanitárias e vacinas e de louvor à medicação com ivermectina, são exemplos da desinformação científica à solta na comunicação social. Como monitorizar e impedir a propagação mediática desta desinformação? Por via de critérios editoriais? Devem as instituições públicas (universidades, institutos de investigação, hospitais) e Ordens Profissionais pronunciar-se, nomeadamente através das respetivas Comissões de Ética?

No artigo “Liberdade e Censura” (PÚBLICO, 24/8/2021), Nobre-Correia refere a necessidade da “aplicação de critérios editoriais previamente definidos e uma exigente produção jornalística, o que implica uma equipa de redação qualificada numerosa e uma formação teórica e prática prévia. No entanto, tratando-se de conteúdos científicos essa monitorização não será fácil de conseguir sem um fast-check, a não ser que a impostura seja por demais evidente. Nos casos de desinformação científica propalada por médicos, a Ordem dos Médicos devia estar mais atenta e não esperar pelas denúncias que lhe chegam, as quais, recorde-se, estiveram na origem das sanções disciplinares aplicadas a médicos que nas redes sociais e media difundiram desinformação negacionista.

Também não é aceitável que as administrações dos hospitais se alheiem da desinformação disseminada por estes seus profissionais sob o manto do direito de opinião e liberdade de expressão. Quanto aos académicos tudólogos que falam do que não sabem, deveriam as Comissões de Ética das Universidades ocupar-se, dado que compete a estes órgãos a observância dos padrões éticos na interação com a sociedade e divulgação pública da ciência.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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