Filho de Guebuza nega em tribunal ter recebido dinheiro no escândalo das dívidas ocultas em Moçambique

Numa audiência que se prolongou até à noite e foi interrompida a pedido da defesa, Armando Ndambi Guebuza acusou os delegados do Ministério de Público de “mentirosos” e a Procuradoria de perseguição política.

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Armando Ndambi Guebuza durante a audiência LUISA NHANTUMBO/LUSA

Armando Ndambi Guebuza, filho mais velho do ex-Presidente moçambicano Armando Guebuza, negou esta segunda-feira em tribunal ter recebido dinheiro da Privinvest, companhia de estaleiros navais acusada pela justiça de pagamento de subornos no âmbito do caso das dívidas ocultas.

O Ministério Público acusa Armando Guebuza de ter recebido 33 milhões de dólares (27,9 milhões de euros) de subornos para que um projecto apresentado pela Privinvest para protecção marítima da Zona Económica Exclusiva moçambicana obtivesse aprovação, projecto que daria origem a uma série de empréstimos milionários de empresas públicas com garantias do Estado e sem aprovação pelo Parlamento, que redundaria num rombo de 2,7 mil milhões de dólares (2,2 mil milhões de euros) nos cofres públicos e que o Governo tentou numa primeira fase ocultar das contas públicas.

“Nunca recebi dinheiro da Privinvest”, afirmou Armando Ndambi Guebuza, 44 anos, gestor imobiliário, respondendo a uma pergunta directa do juiz no processo, Efigénio Batista.

Ndambi Guebuza afirmou desconhecer a origem do email em que o alegado consultor no projecto com a Privinvest Teófilo Nhangumele fixava com Jean Boustani, negociador daquela empresa, o valor de 50 milhões de dólares (42,3 milhões de euros) de subornos a dividir pelos arguidos.

“Nunca tive esse tipo de conversa com eles. Eu não tenho conhecimento desse email”, declarou.

Questionado ainda sobre um documento em que confirma à Privinvest ter recebido uma parcela de 14 milhões de dólares (11,8 milhões de euros), Ndambi Guebuza refutou categoricamente a autoria desse documento.

O arguido aceitou ter assinado um contrato com a Privinvest em que é descrito como mecânico, mesmo não o sendo, visando a obtenção de um visto de residência em Abu Dhabi. Em tribunal, imputou à Privinvest a autoria do documento e a colocação da profissão de mecânico no contrato.

Ndambi Guebuza acusou o Ministério Público de falta de seriedade, responsabilizando a instituição por ter libertado peças dos actos processuais ainda na fase de segredo de justiça.

“Logo que fui preso, fui tratado como criminoso”, disse, questionando o juiz sobre se achava “justo e normal” tal tratamento.

O filho do ex-Presidente moçambicano chamou “mentirosos” aos delegados do Ministério Público e acusou a Procuradoria-Geral da República de “motivações políticas” e de o perseguir e à sua família. “A PGR é uma máquina utilizada para perseguir”, acusou, num tom exaltado que mereceu a reprimenda do juiz.

Sobre transferências bancárias ordenadas por si (em rand, moeda sul-africana), Armando Ndambi Guebuza disse que se trata de movimentações financeiras enquadradas no seu universo empresarial, dizendo ao juiz que não pretendia entrar em pormenores sobre tais transacções.

“Tenho parcerias com Jean Boustani”, afirmou, laconicamente.

O filho do ex-Presidente depôs esta sexta-feira em tribunal com o seu pai na assistência, num processo em que o antigo chefe de Estado é também declarante, devendo comparecer em juízo para ser ouvido pelo seu papel no esquema das dívidas ocultas.

O arguido falou com um médico pessoal em prontidão, por se ter apresentado na audiência com problemas de saúde.

Nas alegações que leu há uma semana, no início do julgamento, o Ministério Público acusou os 19 arguidos no caso das dívidas ocultas de se terem associado em “quadrilha” para delapidarem o Estado moçambicano e deixar o país “numa situação económica difícil”.

“Quem se associa em quadrilha para roubar ao Estado, não está ao serviço do Estado. Os arguidos agiram em comunhão, colocando os seus interesses particulares acima dos interesses do Estado”, referiu Ana Sheila, magistrada do Ministério Público que leu a acusação.

A conduta dos 19 arguidos, prosseguiu, delapidou o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,2 mil milhões de euros) angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.

Para o Ministério Público moçambicano, entre os diversos crimes que os arguidos cometeram incluem-se associação para delinquir, tráfico de influência, corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento de capitais, peculato, abuso de cargo ou função e falsificação de documentos.

As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.  

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.

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