Protesto pacífico “passou a ser visto como um crime” na Rússia, denuncia a Amnistia Internacional

Além de restringir manifestações, as autoridades russas aplicam um “labirinto” de medidas repressivas que vão desde multas pesadas, a julgamentos injustos e ao uso excessivo de força contra os manifestantes.

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A Amnistia Internacional denuncia o uso “excessivo de força” pela polícia nos protestos na Rússia EVGENIA NOVOZHENINA/Reuters

Quem, quando, onde, como e com que finalidade são algumas das perguntas que orientam os vários obstáculos criados pelas autoridades para restringir as manifestações na Rússia. Isto porque “o protesto pacífico de rua passou a ser visto como um crime pelas autoridades”, apesar da Constituição do país e do direito internacional garantirem a protecção dos direitos da população russa. Quem o diz é Oleg Kozlovsky, investigador da Amnistia Internacional para a Rússia, a propósito do novo relatório divulgado pela organização esta quinta-feira.

No documento Russia: No place for protest, a organização não-governamental mostra como o direito à liberdade de reunião pacífica no país tem vindo a deteriorar-se sob o regime do Presidente Vladimir Putin, com restrições legais, uso excessivo da força e acusações criminais sobre os manifestantes e a oposição política.

Segundo o relatório, a repressão começou em 2004 com a lei federal sobre reuniões, que impõs “restrições ao direito à liberdade da reunião pacífica que efectivamente boicota o direito estabelecido na Constituição”. Desde então, a lei foi emendada 13 vezes. Nove das emendas foram introduzidas desde 2014 no contexto da repressão aos protestos anti-Governo. “Nenhum outro assunto tem merecido tanta atenção a todos os níveis do poder”, refere Kozlovsky.

As últimas alterações à lei têm vindo a solidificar as práticas já estabelecidas. Há restrições sobre quem pode organizar (estão excluídos, por exemplo, cidadãos estrangeiros e pessoas condenadas por “crimes contra a ordem constitucional, segurança do Estado, (…) e ordem social”); quando podem ser organizados (é necessária uma notificação prévia e estão, por isso, proibidos os protestos espontâneos); onde podem acontecer (estão vedados, por exemplo, protestos junto de tribunais, prisões e residências presidenciais, e os locais alternativos ou designados são inadequados).

Está também proibido o financiamento por cidadãos ou organizações internacionais ou estrangeiros, ou classificados pelas autoridades como “agentes estrangeiros”.

Kozlovsky explica que a “notificação prévia” é “usada amiúde pelas autoridades para limitar, segundo um conjunto de justificações, o número de participantes numa reunião” e o local, podendo culminar na sua proibição. As últimas alterações de 2021 deram ainda poder às autoridades para restringir “as permissões sob pretextos vagos e infundamentados, como uma ‘ameaça real’ de uma emergência ou um ataque terrorista”, afirma o investigador.

Punições severas e brutais

Durante os protestos, foi relatado o uso “excessivo de força” pela polícia, bem como o recurso a técnicas de artes marciais, agressões com bastões e uso de armas de electrochoques. Em alguns casos são provocados ferimentos graves, sem que a responsabilidade seja apurada, enviando um sinal de tolerância e “impunidade” às forças de segurança. Os jornalistas e os monitores dos direitos humanos “também têm sido cada vez mais um alvo da polícia”.

Para os manifestantes que as autoridades consideram ter violado os regulamentos, são aplicadas “sanções desproporcionadas e excessivamente rígidas”. Ao longo dos anos, a lei tem expandido significativamente o número de infracções: no início de 2021, estavam previstos 17 tipos de violações da Lei sobre Reuniões.

Repetidas infracções da lei podem resultar numa pena de prisão até cinco anos, segunda uma medida implementada em 2014 sobre a responsabilidade criminal. As multas aumentaram de dois mil rublos (51 euros) em 2012 para 300 mil (3400 euros) em 2021. E como possível penalização para 12 das 17 infracções foi introduzida a detenção administrativa até 30 dias.

“Além de serem criminalizados por exercer o seu direito a protestar pacificamente”, os manifestantes detidos “são submetidos a julgamentos injustos, quase paródicos” e parciais – alguns levam apenas cinco minutos –, sem a convocação de “testemunhas principais” e sendo os relatos policiais aceites “indiscutivelmente”, descreve Oleg Kozlovsky.

O documento da Amnistia Internacional refere ainda que a pandemia deu um novo impulso às autoridades “para restringir os direitos humanos, particularmente o direito à liberdade de reunião pacífica”, para além de “introduzir proibições desproporcionadas e reprimir” os envolvidos nos protestos.

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