Valongo do Côa, o outro Valongo: são as “minhas melhores memórias de criança”

O leitor Pedro Sousa apresenta-nos Valongo, aldeia do Sabugal onde passava as suas férias de Verão na infância. Especialmente para quem tem saudades das férias grandes na casa dos avós.

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Não é fácil ter o mesmo nome do que um outro colega de sala, cria sempre transtornos. “Não era esse Joaquim, era o outro!”, será a frase mais ouvida por quem sofreu deste trauma. O mesmo se aplica a Valongo. Não é “Valongo” do distrito do Porto, mas “Valongo do Côa”, uma modesta aldeia no canto a sudeste do distrito da Guarda que tem visto o seu protagonismo e charme roubados pelo rival homónimo da terra das francesinhas. Esta localidade, com sólidos quarenta habitantes e que integra a freguesia de Seixo do Côa e Vale Longo, do concelho do Sabugal, era, desde criança, o meu destino favorito para umas boas férias de Verão. O calmo silêncio do interior parecia surtir um efeito de relaxamento no meu Eu agitado de onze anos.

Após uma viagem de camioneta de Lisboa ao Sabugal na famosa Companhia Viúva Monteiro, juntamente com mais outra de meia hora até Valongo, já lá vão já quatro horas de viagem que atormentavam o meu traseiro e que o comprimiam até uma forma rectangular. Este tempo poderia ser muito bem usado para repor todas as horas de sono que faltavam, uma vez que na véspera não conseguira dormir por causa do entusiasmo. Contudo, esta odisseia surtia o efeito contrário.

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Pedro Sousa

As aldeias na Guarda são percorridas por ruelas oblíquas feitas de pedra por antepassados já esquecidos. Ainda assim, são atravessadas por uma estrada principal comum que as liga a todas, dividindo-as ao meio, a Valongo inclusive. A casa dos meus avós era na entrada da aldeia, logo poder-se-á dizer que era um ponto de referência que, ao longo dos anos, acabou por se tornar numa espécie de ponto de fofoquice, onde se comentava quem e quando saía da aldeia.

O que dizer da casa? Uma vivenda de tamanho razoável: um piso, três quartos, uma casa de banho, sótão, garagem, jardim e horta, a casa protótipo do interior de Portugal. Embora humilde, é de lá que provêm as minhas melhores memórias de criança, quando o jardim se transformava em qualquer coisa que a mente que uma criança fosse capaz de imaginar; ou do sótão, quando me perdia nas tardes ociosas a contemplar com fascínio tudo o que tivesse mais de vinte anos de existência.

A atracção principal da aldeia durante o dia era, sem sombra de dúvidas, o açude. Uma pequena barragem em cimento não polido que servia de praia fluvial. Embora de aspecto bastante precário, era lá que todas as famílias iam banhar-se. Na grande maioria, não vinham do país, estavam emigradas na França, voltando cá para ver os parentes, assim originando uma novilíngua que me espantava sempre que a ouvia: dir-se-ia um filho rebelde do português com retoques da pronúncia do francês de Paris.

Quando o sol se punha é que a diversão começava efectivamente. Toda a gente, que não era muita, se reunia no café central, para conviver depois de mais um longo dia de trabalho. As mulheres mais velhas fofocavam ou conversavam sobre as últimas das telenovelas, os homens tinham conversas movidas a álcool e a cigarros, e as crianças, categoria onde estava incluído, brincavam.

Talvez não seja a mais famosa ou a mais formosa aldeia. Talvez não fosse a mais movimentada e animada. E, contudo, continua a ser o meu Valongo, não o do Porto, mas o do Sabugal.

Pedro Sousa

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