Planos de neutralidade de carbono podem aumentar o preço dos alimentos em 80%, avisa Oxfam

Pelo menos 1,6 mil milhões de hectares de novas florestas seriam necessários para atingir a neutralidade carbónica até 2050. Ao reduzir o terreno disponível para cultivo, a segurança alimentar pode ser gravemente afectada.

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A organização apela aos Governos e empresas a reduzirem primeiro as emissões de gases de efeito de estufa e para não usarem a reflorestação em grande escala Rui Oliveira

A reflorestação e criação de novas florestas – que permite a captação de carbono através das árvores e do solo – têm sido apontadas como das melhores estratégias para combater as alterações climáticas. E têm sido cada vez mais populares entre as promessas verdes de Governos e empresas. Contudo, esses esforços podem levar à inflação dos preços dos alimentos até 80%, permitindo ainda aos países mais ricos e empresas desviarem-se da prioridade das emissões zero. O alerta foi lançado esta terça-feira pela Oxfam.

Segundo o relatório da organização Tightening the net: Net zero climate targets implications for land and food equity, recorrer apenas aos solos para atingir a neutralidade carbónica até 2050 iria requerer pelo menos 1,6 mil milhões de hectares de novas florestas. Isto é equivalente a cinco vezes o tamanho da Índia, ou mais do que toda a terra cultivável do planeta.

Ao reduzir o terreno disponível para cultivo, a segurança alimentar pode ser gravemente afectada. No ano passado, os preços a nível global dos bens alimentares aumentaram 40%, contribuindo para situações “catastróficas” de fome de 20 milhões de pessoas, de acordo com a organização não-governamental britânica. E segundo o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), a reflorestação em grande escala pode aumentar os preços dos alimentos em 80% até 2050.

Nafkote Dabi, responsável pela pasta das políticas climáticas na Oxfam e co-autora do relatório, salienta que “centenas de milhões de pessoas em todo o mundo já passam fome”. As estratégias assentes nos solos e na natureza, refere, “são uma parte importante do conjunto de esforços para cortar as emissões globais”. Contudo, apela à cautela na sua execução: “[os planos] podem provocar ainda mais fome, apropriação ilegal de terrenos e abusos dos direitos humanos”.

A reflorestação e a plantação de novas florestas são, além de duas das formas mais comuns de neutralizar as emissões, das piores medidas em termos de agravamento da insegurança alimentar, sublinha o relatório.

O perigo da neutralidade carbónica

Além do problema de agravar as condições de milhões de pessoas, as entidades “poluentes usam [a promessa de neutralidade de carbono] como um álibi para continuar a poluir”, uma vez que a neutralidade de carbono não é o mesmo que emissões zero. O primeiro corresponde ao aumento da absorção dos gases de efeito estufa, equilibrando a balança das emissões. Já o conceito de emissões zero implica, como o nome sugere, nenhuma emissão de carbono. E, enfatiza a organização, “absorver as emissões não substitui o corte das emissões, e ambas as estratégias deveriam ser contabilizadas separadamente”.

A menos de 100 dias da 26.ª Conferência das Partes (COP26) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas​, mais de 120 países, incluindo os EUA, China e toda a União Europeia, comprometeram-se a atingir a neutralidade carbónica até 2050. Contudo, “a maioria destas promessas são vagas e não são fundamentadas com planos mensuráveis”. A Suíça, por exemplo, ainda que seja um país pequeno, precisaria de uma aérea igual à área de Porto Rico para plantar árvores suficientes para conseguir a neutralidade de emissões.

Ainda, várias empresas incluem a plantação de árvores como parte da estratégia para equilibrar as suas emissões. No entanto, a Oxfam salienta que esses planos em conjunto poderiam culminar num uso excessivo dos solos. Só as promessas de quatro das maiores empresas de petróleo e gás (BP, Eni, Shell e Total) requereriam a plantação de árvores numa área com o dobro do tamanho do Reino Unido para atingir o objectivo até 2050. E assim “justificam a sua extracção contínua de combustíveis fósseis”, disse Danny Sriskandarajah, director executivo da Oxfam, citado pelo Guardian.

Por isso, Dabi apela à “consulta dos países sobre como estão a usar os solos, afirmando que os países e as empresas têm de reduzir as suas emissões primeiro”. Depois, a reflorestação “não deveria ser usada em grande escala e devia ser combinada com outros métodos, como o sistema agro-florestal”, a prática combinada de cultivo ou pastorícia entre as árvores.

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