Avós e netos. A reciprocidade na estimulação cognitiva

A 26 de julho celebra-se o Dia dos Avós trazendo a oportunidade de refletir sobre o quão importante é o papel dos avós no seio da família nuclear para lá do lado afetivo. Coloco o foco no lado intelectual: a formação dos netos e vice-versa, o quão importante é o papel dos netos para manter a lucidez, memória e estimulação cognitiva dos mais velhos.

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Unsplash/Johnny Cohen

Nos extremos da vida os membros de uma família encontram-se em situação que evolui em sentidos opostos: ao crescimento físico e intelectual dos netos opõe-se o declínio dos avós. Enquanto os netos estão na fase da vida em que mais se investe na aprendizagem, de acelerada metamorfose intelectual, os avós estão numa fase em que a aquisição de conhecimentos não constitui dever nem preocupação. Poderá ser uma atividade lúdica. Para alguns será a oportunidade de reforçar a continuidade de um espírito marcado pela curiosidade e necessidade de aperfeiçoamento pessoal. De um modo geral, a reforma é sentida como alívio de uma vida de trabalho, de exigência e preocupações. Mas comporta um perigo: a ociosidade.

Enquanto o cérebro do neto na fase da vida de aquisição condensada de conhecimentos, de estudo intensivo diário, vai abrindo novas e inúmeras redes neuronais aumentando exponencialmente o número de sinapses (contactos que os neurónios estabelecem entre si) proporcionais ao seu avanço escolar, o cérebro do avô, pela ordem natural da vida, vai perdendo essa capacidade, ameaçado que está também pelas doenças neurodegenerativas à medida que vai envelhecendo. A morte celular que leva à atrofia dos tecidos observa-se na pele que enruga, no músculo que perde a sua força e, também, no cérebro que reduz o seu volume e perde funções cognitivas, como a rapidez de raciocínio, capacidade de atenção e memória.

Nas sociedades do mundo industrializado, regra geral, as pessoas idosas não vivem no círculo familiar. Quando um casal jovem decide unir-se e constituir família prefere fazê-lo afastado dos pais — casamento; apartamento. Ao nascerem os filhos, as três gerações não vivem em conjunto. O idoso será gradualmente afastado devido à sua degradação física e mental com consequente perda de autonomia, acabando institucionalizado por um período de tempo mais ou menos prolongado. O contacto passa a ser ocasional em forma de visita, tanto quanto a ocupação dos filhos e netos o permite. O idoso deixa de ter intervenção nas decisões e a sua participação no seio familiar é muitas vezes pontual, resumida a determinadas épocas festivas.

Mas é importante lembrar o papel dos avós no seio da família nuclear, designadamente na formação dos netos, para que têm mais disponibilidade do que os pais. O benefício é mútuo e não se resumirá ao reforço de laços afetivos. Poderá haver lugar a uma participação no apoio a tarefas escolares, de que os avós são também beneficiários, realizando o que poderá chamar-se de “autoestimulação” cognitiva. Podem complementar o que na escola aprendem os netos e o que é de mais valioso para a vida: que é compreender e saber integrar o que se aprende, por forma a ser capaz de pensar por si próprio. É a procura conjunta e transmissão de conhecimento com suporte afetivo que faz a diferença na aprendizagem. É este o papel da família na maturação dos mais novos e em que a experiência de vida dos mais velhos poderá dar um contributo inexcedível. Talvez até a sua deterioração mental fique deste modo adiada ou atenuada e seja possível desfrutar de mais uns anos com qualidade de vida, absorvendo ao mesmo tempo o bom humor e vivacidade de espírito dos mais novos. 

Poderá haver uma tendência natural para “estragar” os netos com mimos, mas quem não recorda com saudade as histórias que os avós contavam, narrativas dos seus antepassados, a sua versão de acontecimentos históricos e sociais que vivenciaram, fonte de estimulação da imaginação e criatividade dos mais novos. Os avós são veículo de tradição e cultura que a escola não ensina num plano especificamente pessoal.

Conheço um octogenário, homem de mente brilhante, que poderá servir de exemplo de envelhecimento ativo com qualidade de vida, o que todos almejamos. Alimenta ainda ideias de concretizar projetos antigos (que provavelmente nunca chegará a realizar). O que é salutar é ter planos e projetos em mente.

Reformado há uma vintena de anos, sempre o conheci pelo otimismo com que enfrentou as dificuldades da vida. Como qualquer reformado abrandou o ritmo de trabalho, embora exercesse uma profissão liberal. Os netos vieram reacender o ânimo que começava a perder. Preenchem o seu tempo. É ele que os vai levar e buscar à escola. Tem gosto nisso. Alivia os pais excessivamente ocupados no trabalho.

Acompanha-os também no estudo. “Sabe? Revivi matérias que já estavam esquecidas. O que nos ficou de anos de estudo de matemática além das simples operações aritméticas que fazemos no quotidiano? Já não sabia fazer uma raiz quadrada”, disse-me um dia. “O acompanhamento dos meus netos nos estudos está a fazer-me muito bem à memória” acrescentou. Leva-os à natação como sempre fez com as suas filhas. Mas em vez de esperar sentado que a aula acabasse, passou também a nadar noutra piscina no mesmo complexo desportivo. Sente-se agora mais enérgico fisicamente.

Diz-se que ser velho é uma segunda infância, mas não se entenda no sentido da fragilidade e da dependência. Deverá corresponder a saber aproximar-se da infância e adolescência dos netos e acompanhá-los no que eles fazem. Envelhecimento ativo é aprender coisas novas, manter a curiosidade em compreender e assimilar a evolução dos acontecimentos e da mudança. É manter o olhar no futuro. É manter uma atitude projetiva na vida.

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