Para quando uma educação verdadeiramente inclusiva?

As dificuldades de integração escolar por crianças e jovens com doenças inflamatórias do intestino (e outras doenças crónicas) acrescem aos desafios marcantes durante o seu percurso escolar e vida pessoal.

Numa aula de um curso universitário, fala-se sobre uma possível viagem a um país europeu para se conhecer outro sistema público da área. A I., estudante universitária com doença de Crohn (uma das doenças inflamatórias do intestino) e a tomar imunossupressores injectáveis, coloca algumas questões básicas para compreender melhor os aspectos da viagem para, desta forma, conseguir organizar a sua logística: a medicação precisa de ser transportada como bagagem de mão, logo, precisa de uma declaração do médico; precisa de ser mantida a uma temperatura estável, logo, precisa de saber se ficarão em quartos com frigorífico e se permanecerão sempre no mesmo alojamento ou se andarão a saltitar de um local para outro. Questões que qualquer outro estudante não levantaria, mas questões importantes para quem tem necessidades diferentes dos restantes mortais.

Para seu grande espanto, a professora respondeu em frente de toda a turma, e cito: “Com tantos problemas vais ser um estorvo nesta viagem. É melhor não ires.”

Este tipo de postura é má seja qual for a situação. Acontecer numa disciplina de Educação Inclusiva num Mestrado ligado ao Serviço Social, agrava muito mais a postura daquela professora que, certamente, não conhece nem pratica aquilo que supostamente transmite em cada aula aos seus alunos.

Gostaria de dizer que este tipo de situação é caso único. Infelizmente, estaria a mentir. Já todos lemos notícias sobre crianças e jovens com necessidade de acomodações razoáveis que lhes são negadas pelas próprias escolas. Crianças e jovens com Crohn ou Colite Ulcerosa fazem, também, parte deste número de seres humanos que, desde tenra idade, enfrentam o estigma, o preconceito e a falta de flexibilidade do mundo que os rodeia.

As dificuldades de integração escolar por crianças e jovens com doenças inflamatórias do intestino (e outras doenças crónicas) acrescem aos desafios marcantes durante o seu percurso escolar e vida pessoal. É conhecido e estudado que estas doenças têm um impacto na vida escolar, ora atrasando, muitas vezes, a aprendizagem, ora privando a criança ou jovem de passar tempo com os seus pares, ou ainda de participar em actividades sociais, sem esquecer os grandes entraves em estabelecer relações mais íntimas.

As faltas por doença, os exames médicos de rotina e até os possíveis e necessários internamentos impedem estas crianças e jovens de frequentar ou acompanhar as aulas. E quando conseguem ir à escola, enfrentam sentimentos de vergonha, medo, ridicularização, depressão, isolamento e ansiedade. Obviamente que os possíveis efeitos secundários de alguns dos medicamentos (aumento de peso, alterações de humor, dores de cabeça, náuseas e infecções), e os cuidados na alimentação em certos casos, não ajudam a que a criança ou jovem se integre e participe em pleno na vida escolar.

Quando essa dificuldade é ainda maior pela falta de sensibilidade, condições e recursos das escolas e universidades em garantir a inclusão destas crianças e jovens, estamos muito longe de viver numa sociedade inclusiva.

Agora que terminou mais um ano lectivo, e se prepara o próximo, é relevante que se tenha estes pontos em consciência e, sobretudo, ter isto em consideração: há crianças e jovens que dependem de um ambiente escolar com acomodações razoáveis e mais inclusivo para poderem participar em pleno na vida escolar. Pais, alunos, pessoal docente e não docente, podem contribuir de forma activa para a melhor integração de crianças e jovens com doença de Crohn e Colite Ulcerosa. Partilho algumas sugestões:

  • Criação de um plano (em conjunto com os jovens, pais e/ou cuidadores) que vá ao encontro das necessidades durante as aulas e actividades;
  • Permitir que a criança ou jovem se sente numa mesa perto da porta e estabelecer uma forma discreta de dizer aos professores que precisam de ir à casa de banho;
  • Criar as condições para que as crianças e jovens tenham um cacifo para guardar uma muda de roupa;
  • Acesso a uma sala privada e pausas para tomar os medicamentos;
  • Autorização para usar a casa de banho dos funcionários;
  • Flexibilidade nos atrasos ou faltas escolares;
  • Esclarecimento dos colegas sobre este tipos de doenças, promover a empatia e encorajamento na participação e ajuste de actividades;
  • Ajudar os professores, auxiliares e pais a adquirirem mais conhecimentos, empatia e sensibilidade face às doenças crónicas e à forma como elas afectam o ensino.

Para termos uma escola verdadeiramente inclusiva, para todos os alunos e todas as alunas, independentemente da sua situação pessoal e social, é importante permitir que alunos, alunas, pessoal docente e não docente encontrem respostas que possibilitem a aquisição de um nível de qualificação facilitador da inclusão social. Só assim estes adultos do futuro poderão ter acesso equitativo a uma educação de qualidade e aprendizagem ao longo da vida, essenciais a uma inclusão e uma cidadania plena.

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