“Uma tartaruga viva vale mais do que morta” — e o turismo pode ajudar a preservá-las

Os pescadores de Cabo Verde aproveitaram a presença de tartarugas nas águas de São Pedro e rentabilizaram-na. Trocaram a captura pela preservação e há organizações a trabalhar para tornar esta prática sustentável e levá-la para outras regiões.

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Os ambientalistas da Biosfera estão a apoiar as actividades turísticas de observação das tartarugas em São Pedro, ilha cabo-verdiana de São Vicente, disponibilizando um manual para que sejam desenvolvidas de forma segura, mas pedem regulamentação para replicar este projecto.

De acordo com o presidente desta organização ambientalista, Tommy Melo, a comunidade daquela vila piscatória conseguiu aproveitar a oportunidade da presença das tartarugas naquelas águas e conquistou os turistas, garantindo ao mesmo tempo que o trabalho de preservação da espécie fosse bem-sucedido. “Há dois anos identificámos a actividade de observação das tartarugas e percebemos que está a trazer rendimento. A comunidade de São Pedro era daquelas de perpetuação da captura de tartarugas e os pescadores perceberam que uma tartaruga viva vale mais do que morta”, explicou Tommy Melo, sublinhando que esta nova abordagem agrega mais valor à comunidade.

As espécies identificadas pela Biosfera naquelas águas são provenientes de outros locais da costa africana e utilizam as águas de Cabo Verde para amadurecerem e depois se reproduzirem, antes da viagem de regresso. Pelo meio, a vila de São Pedro mobilizou-se para oferecer aos turistas mergulhos com as tartarugas e a sua observação. A Biosfera tem tentado levar esta prática de aproveitamento sustentável para outras regiões do arquipélago e Tommy Melo frisa que, desde que sigam algumas regras, a interacção dos turistas com as tartarugas poderá ser mais segura.

“Temos de ter cuidado com estes animais e com os turistas e estas actividades deverão seguir alguns parâmetros. Iremos imprimir um manual que será distribuído aos guias de São Pedro e outras comunidades piscatórias que queiram desenvolver actividades semelhantes de forma a deixarem de matar estes animais e possam ter um rendimento”, explicou o ambientalista.

Na mesma medida que a considera sustentável para o ambiente e para a vila piscatória de São Pedro, o dirigente defende a regulamentação desta actividade e dos cuidados que se deve tomar no contacto com as tartarugas. “Em qualquer interacção entre o homem e o mundo selvagem existe a sua contrapartida negativa. Esse tipo de actividade precisa ser regulamentada em Cabo Verde. A Biosfera já trabalhou nisso e criou um guia de actividades e uma portaria legal, pois tivemos de contratar um jurista para isso. Entregamos estes documentos à Direcção Nacional do Ambiente, por isso têm em mãos um guia que poderá dar boas práticas a essas actividades e a outras do género que possam surgir em Cabo Verde”, apontou.

O presidente da Biosfera Cabo Verde chega a comparar esta acção com outras, nomeadamente na observação turística a tubarões, que também fez preservar a espécie na África do Sul, através do turismo. “Os tubarões-brancos na África do Sul estavam a ser completamente dizimados até que começaram os roteiros de observação de tubarões e isto salvou os animais da extinção, apesar de defendermos não ser aconselhável alimentar animais de forma artificial”, acrescentou Melo.

O presidente da Associação de Pescadores de São Pedro, Luís Andrade, corrobora, em entrevista à Lusa, que as tartarugas que transformaram as águas azul-turquesa da vila nas suas moradas acabaram por levar o turismo e, garante, até à pandemia, o número de visitantes para mergulhar com as tartarugas crescia num ritmo acelerado. 

Agora, após uma paragem de mais de um ano, com o retorno dos turistas locais e internacionais à praia, Luís Andrade também defende que é altura de dar organização ao negócio de mergulho com as tartarugas na vila, para que seja mais sustentável e os moradores de São Pedro beneficiem de igual forma. “São poucos os pescadores que conseguem ganhar com o serviço de carregar turistas para o mar, para se banharem com as tartarugas. Temos recebido reclamações de alguns pescadores que apontam esta desorganização e já que nós todos trabalhamos na sensibilização para a protecção das tartarugas, deveríamos todos também ser beneficiados”, explicou Luís Andrade, que assegura que o negócio tem sido rentável para os poucos que têm explorado aquele serviço.

Garantiu que a associação está a estudar formas para que todos os pescadores e a comunidade de São Pedro possam tirar mais dividendos de um serviço turístico que chega a render até 50 euros. “Os turistas nacionais pagam por 1.500 escudos [13,5 euros], por pessoa, para serem levados de bote até ao local aonde podem ter contacto com as tartarugas, e os internacionais chegam a pagar até 50 euros, por exemplo nos hotéis que oferecem serviços de mergulho. Há necessidade de criar um roteiro, gerido por exemplo pela associação dos pescadores, com mais ofertas turísticas criadas pelos moradores”, sugeriu.

Para o dirigente, esta actividade poderia transformar-se numa alternativa de sustento para os pescadores locais “quando o mar não estiver para peixe”. Mas não são só os turistas que aparecem naquele mar paradisíaco, apenas por causa das tartarugas. O aparecimento de tubarões naquela baía tornou-se constante, mas nada que alarme. “Estamos em mar aberto e sempre há presença de tubarões. Sabemos que onde há tartarugas, há tubarões, porque fazem parte da sua dieta, mas os tubarões que têm aparecido são os de casa, não incomodam ninguém e não atacam”, garantiu Luís Andrade à Lusa.

De acordo com dados da Direcção Nacional do Ambiente, o melhor ano de nidificação das tartarugas marinhas em Cabo Verde tinha sido 2018, com um total de 109.126 ninhos registados, muito mais do que os 44.035 de 2017, os 30.470 do ano de 2016 e dos 10.725 no ano anterior. As ilhas da Boa Vista, Sal e Maio representam mais de 95% das desovas no país.

Desde 2016 que as autoridades cabo-verdianas estão a financiar 11 associações comunitárias e organizações em todas as ilhas, e são monitorizados cerca de 167 quilómetros de praias em todo o território nacional. Os dados acumulados desde 2015 apontam que a ilha da Boa Vista registou 248 mil ninhos, enquanto o Sal teve cerca de 64 mil e o Maio com quase 51 mil ninhos de desovas das tartarugas marinhas em cinco anos.

Cabo Verde introduziu legislação para proteger as tartarugas marinhas pela primeira vez em 1987, proibindo a sua captura em épocas de desova, mas desde 2018 está em vigor uma nova lei, que tipifica outros tipos de crime, nomeadamente o abate intencional, bem como a aquisição, a comercialização, o transporte ou desembarque, a exportação e o consumo.

A população de tartarugas marinhas caretta careta de Cabo Verde é a terceira maior do mundo, apenas ultrapassada pelas populações na Florida (Estados Unidos da América) e em Omã (Golfo Pérsico). O período de desova desta espécie começa anualmente em 1 de Junho e vai pelo menos até Novembro.