Como se pode marchar em segurança pelos direitos LGBTI+ numa Lisboa à porta fechada?

Embora esteja proibida a circulação para dentro e fora da Área Metropolitana de Lisboa, a Avenida da Liberdade, em Lisboa, vai-se pintar de todas as cores do arco-íris com a Marcha do Orgulho LGBTI+ este sábado. A organização propõe uma manifestação mais contida, com cumprimento das medidas de higiene e segurança.

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NFACTOS/Rui Goncalves

Apesar das restrições de circulação implementadas na Área Metropolitana de Lisboa, a 22.ª Marcha do Orgulho LGBTI+ vai realizar-se este sábado. Com distanciamento de dois metros, uso obrigatório de máscara e desinfecção das mãos e por um percurso diferente do habitual, espera-se que as ruas da capital sejam novamente ocupadas por volta das 18h em defesa dos direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, “trans”, intersexo e restantes orientações e identidades não-normativas.

Uma marcha “mais contida”

O movimento já passou por várias fases e a última marcha presencial, em 2019, “foi bastante grande”, diz Carmo Pereira, responsável pela comunicação do evento. No ano passado, a marcha deu lugar ao movimento virtual Continuamos a Marchar, uma rede de apoio de emergência à comunidade LGBTI+. Agora, a expectativa para a adesão ao evento está encoberta em alguma incerteza. “Sentimos que será uma marcha mais contida, mas o importante seria ter presença pública neste momento, pelas consequências sociais que a pandemia está a trazer”, defende.

Por isso, embora tenha sido ponderado o cancelamento ou adiamento, a marcha vai seguir em frente. “Tudo foi ponderado, discutido, programado e articulado com as várias organizações”, esclarece. Pensada desde 2019 e em preparações “intensivas” desde o início do ano, foram estudados os cuidados acrescidos necessários para a realização da marcha em segurança “com consciência”. Este ano, a comissão foi composta por 14 colectivos, associações e pessoas a título individual.

O percurso

Com ponto de encontro marcado na Praça do Marquês de Pombal, a marcha deste sábado segue em direcção à Praça dos Restauradores pela Avenida da Liberdade fora. Em ano de excepções e numa altura em que Lisboa acumula a maioria dos novos casos de infecção pelo novo coronavírus em Portugal, a organização optou por fazer uma nova rota “mais larga”, que permitisse o cumprimento do distanciamento de dois metros entre as pessoas. Antigamente, a marcha “começava no Príncipe Real e descia as ruazinhas todas até chegar à Ribeira das Naus”. No final, cada colectivo fará o seu discurso num palco montado para o efeito na Praça dos Restauradores.

Máscaras, distanciamento e desinfecção

Além do distanciamento de dois metros, a comissão responsável pelo evento apela ao uso de máscara durante o percurso e à desinfecção frequente das mãos. Os participantes vão ser distribuídos por vários blocos de colectivos, onde poderão contar com a presença de estações de álcool-gel. Embora não seja necessária a inscrição prévia, os participantes deverão escolher à chegada um dos blocos.

Este ano, também não haverá veículos a acompanhar a marcha, para conter os ajuntamentos, e não se ouvirá música, mas antes palavras de ordem. “Será na mesma uma presença política, mas ordenada”, assegura Carmo Pereira. O consumo de álcool na via pública é ilegal e, portanto, a organização relembra que não poderão ser consumidas bebidas alcoólicas durante a marcha.

As regras de participação não dispensam a fiscalização. Membros da organização vão acompanhar os vários blocos para garantir o cumprimento das medidas de segurança. Se houver desrespeito, as pessoas serão alvo de chamadas de atenção e, caso se recusem a cumprir as regras, serão convidadas a sair. “Não estamos num momento e que possamos ser permissivos”, aponta, ressalvando que a comunidade está consciente do que está a acontecer e que conta que as recomendações sejam cumpridas. No momento final dos discursos vão decorrer, ainda, serviços de ordem para reforçar a importância do cumprimento das medidas de higiene e segurança.

As causas inadiáveis

Apesar da situação epidemiológica em que se encontra a região de Lisboa, pareceu imperativo, mais do que nunca, o exercício do direito de manifestação, explica Carmo Ferreira. Além do “crescimento tão grande do movimento de extrema-direita” que se vive actualmente, pesou na decisão o impacto social da pandemia nesta comunidade.

“A situação de pandemia empurrou muitas pessoas LGBTI+ para ambientes inseguros e mostrou que, a nível institucional, ainda não têm estruturas preparadas”, sustenta, exemplificando que os abrigos não conseguiram dar resposta às necessidades. 

Em comunicado, a organização da marcha — que se realiza sob o lema “desconfinar direitos, afastar preconceitos” — elenca várias causas que motivam o evento. Entre elas estão o crescimento da precarização do trabalho (especialmente para trabalhadores do sexo), o difícil acesso à habitação e à saúde (especialmente a saúde sexual de pessoas “trans” e intersexo), o racismo e a xenofobia.

A comunidade marcha pela urgência de uma resposta estatal social, educativa e política face a estes e outros tantos problemas acentuados pela pandemia, que ainda ameaçam a livre expressão da identidade. “Continuamos a ver os nossos direitos desiguais, onde ainda não podemos existir na vida pública de forma pacífica”, rematam.

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