Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública: uma evolução no panorama jurídico e social

O Estatuto de Utilidade Pública goza agora de melhores condições para ser visto por todos como um garante da preservação do sentido de serviço público com que as entidades assumem um compromisso com o país e com as próximas gerações.

Esta segunda-feira foi publicada a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública, em anexo à Lei n.º 36/2021, de 14 de junho. A presente reforma concretiza uma das medidas constantes do programa do Governo, no sentido de valorizar as pessoas coletivas de utilidade pública, reconhecendo o papel essencial que desempenham no tecido social português e o contributo relevante que prestam à construção do futuro do país.

Representando este regime uma área estruturante da sociedade sobre a qual não se tomara, até agora, a iniciativa de reformar em profundidade, foi inevitável encetar uma análise profunda que pudesse resultar numa melhoria da definição do papel reconhecido a um vasto conjunto de entidades e que honrasse a confiança depositada por toda a comunidade num estatuto que certifica a utilidade pública das entidades que o detêm. Esta lei resulta, por isso, de um longo e participado trabalho, iniciado com uma ampla consulta pública.

Concretiza essencialmente uma muito significativa consolidação legislativa e uma atualização e clarificação de um regime, por um lado, datado, atento o facto de ter sido publicado em 1977 e não ter entretanto sofrido alterações de fundo, e, por outro, disperso por um conjunto significativo de diplomas.

O primeiro objetivo da iniciativa do Governo foi, assim, o de centralizar num só diploma todas as normas relativas à utilidade pública – que passa a ser qualificado como um estatuto – de forma a melhorar a qualidade da legislação, produzindo uma lei mais simples e mais facilmente acessível. Nesse âmbito, tendo em conta as variadas situações de atribuição do estatuto de utilidade pública por via legal, procedeu-se à sistematização das diferentes categorias, bem como dos termos em que a nova Lei-Quadro será aplicável a cada uma delas.

O segundo objetivo foi o de prever mecanismos adequados a assegurar que apenas detêm o estatuto de utilidade pública as pessoas coletivas que, pela atividade que desenvolvem, efetivamente se enquadram de forma perene nas suas exigências, promovendo a confiança dos cidadãos no estatuto e nas entidades que o detêm.

A sustentabilidade das entidades, e da sua regulamentação, resulta necessariamente da sua capacidade de adaptação ao meio envolvente e da procura permanente de se constituírem como um contributo relevante para todos os cidadãos, desde logo no cumprimento do propósito a que se propõem no momento da sua constituição. Por esse motivo, prevê-se que o estatuto passe a ser atribuído por um período temporal que será em regra de 10 anos (até aqui, o estatuto era atribuído sem termo, independentemente das vicissitudes que a entidade sofresse).

A obrigação de renovação periódica do estatuto implica uma reavaliação da manutenção das razões justificativas subjacentes à atribuição do mesmo, sem prejuízo de se prever o deferimento tácito no caso de falta de decisão administrativa no prazo legalmente fixado, de forma a não prejudicar estas pessoas coletivas por atrasos da Administração Pública.

No mesmo sentido, exige-se que, para poderem beneficiar do estatuto de utilidade pública, as pessoas coletivas que prossigam primariamente, mas não exclusivamente, o interesse dos seus associados ou cooperadores tenham, no mínimo, o dobro do número de membros relativamente ao dos que exerçam cargos nos órgãos sociais. Pretende-se, desta forma, assegurar que o estatuto apenas é atribuído a pessoas coletivas que prosseguem interesses alargados, evitando a sua instrumentalização a interesses meramente privados.

Ainda neste âmbito, tipifica-se como contraordenação a utilização de designação de utilidade pública falsa, bem como a utilização indevida da mesma com o fim de enganar a autoridade pública, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo ou de prejudicar interesses de outrem, desincentivando potenciais infratores.

O terceiro e último objetivo foi o de clarificar e completar o regime aplicável, nomeadamente em matéria de atribuição e cessação do estatuto e de acompanhamento e fiscalização da atividade das pessoas coletivas que o detêm. Neste contexto, e a título de exemplo, determina-se que, no caso de serem detetadas irregularidades no cumprimento dos deveres, estas são comunicadas às entidades competentes para a reversão dos benefícios concedidos.

Tendo em conta o expressivo processo de participação pública subjacente a esta iniciativa e o considerável consenso reunido na Assembleia da República, o Governo acredita que esta nova Lei-Quadro representa uma verdadeira evolução no panorama jurídico e social da prossecução de fins de interesse público por pessoas coletivas privadas, com condições para vigorar por longos anos.

O Estatuto de Utilidade Pública goza agora de melhores condições para ser visto por todos como um garante da preservação do sentido de serviço público com que as entidades assumem um compromisso com o país e com as próximas gerações.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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