Ensinar e aprender com Camões a humildade no Dia de Portugal

Há uma vertente em Camões que nos remete para a nossa pequenez e sórdida humanidade. Com uma humildade que o agiganta, ele retrata, descreve, reflete sobre aqueles aspetos que, apesar da passagem do tempo, continuam a permanecer na alma humana.

Quando pensamos em Luís Vaz de Camões, lembramo-nos de superioridade, eloquência, grandiosidade. E não deixa de ser verdade! Consagramo-lo no Dia de Portugal, homenageando-o, dando-lhe todas as honras que em vida não lhe foram reconhecidas.

Porém, há uma vertente em Camões que nos remete para a nossa pequenez e sórdida humanidade. Com uma humildade que o agiganta, ele retrata, descreve, reflete sobre aqueles aspetos que, apesar da passagem do tempo, continuam a permanecer na alma humana.

Essas pequenas (grandes) lições de vida, que não conseguimos aprender, começam quando não temos consciência da fragilidade da nossa condição de sermos um “fraco humano”, “um bicho da terra tão pequeno”. O Poeta interroga-se, não compreende a arrogante cegueira das pessoas que não sabem medir a enorme desproporção entre o homem e o Céu sereno. Quando tivermos consciência dos perigos constantes que nos cercam, talvez sejamos mais humildes, mais humanos e solidários. Ninguém está imune à mortalidade, à traição, ao engano.

Que nos ensinou mais Camões?

Quando faz referência a Alexandre, a Octávio e a César, o Poeta salienta a importância de ligar a coragem e os feitos gloriosos ao culto das letras. Ler é, na verdade, um “abre-te sésamo” do mundo, a clarividência.

Continuaremos nós, portugueses, a dar pouca importância às artes e às letras? Pois! Admirámo-lo, homenageámo-lo, mas não aprendemos nada com ele, o Poeta. Camões afirma que quem não sabe arte não a pode estimar e lamenta que, sendo os portugueses tão corajosos, não sejam cultos na mesma medida. Apesar disso, continua a ler-se pouco em Portugal. Mas Camões não deixa de criticar, através da ironia, aqueles que, em vez de glorificarem e acarinharem os que cantam os feitos ilustres dos portugueses através da arte, os maltratam, desmotivando “futuros escritores, /Que merecem ter eterna glória!”

O Poeta diz-nos também que é através do esforço próprio e não das honras e dinheiro que se ascende ao estatuto de herói. Essa apologia do trabalho “árduo”, do empenho, da dedicação para se conquistar triunfos retrata a lição que desejamos que os nossos alunos e os nossos filhos aprendam para serem reconhecidos pelo seu devido valor. Uma sociedade que cresce por mérito próprio torna-se muito mais sólida e consistente.

Camões foi um homem sofrido, experimentado. Sabia o mundo e quis ensiná-lo através da Poesia – “Olhai que há tanto tempo que, cantando /O vosso Tejo e os vossos Lusitanos”, – sabia o mar e a guerraAgora o mar, agora esprimentando / Numa mão sempre a espada, e noutra a pena”. Conheceu a miséria e o desterro – “Agora, com pobreza avorrecida, / Por hospícios [1] alheios degradado; (...) Que tamanhas misérias me cercassem”. Soube o valor da vida e o medo de a perder – “Agora, às costas [2] escapando a vida, / Que dum fio pendia tão delgado, /Que não menos milagre foi salvar-se”.

Camões, grande Camões, que te honremos em todas as horas de todos os tempos pelos “Trabalhos nunca usados (que te) inventaram, / Com que em tão duro estado (te) deitaram!”

Que te honremos por tudo aquilo que ensinaste, por tudo o que consideraste, por aquilo sobre o que refletiste.

Que sejamos humildes na grandeza dos nossos pequenos feitos!

Que aprendamos! Que saibamos de cor essas lições! Que as coloquemos em prática!

Que as perpetuemos pelo tempo para que nunca mais ouçamos dizer: “Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho / Destemperada e a voz enrouquecida!

[1] Locais onde se acolhem os necessitados
[2] Referência ao naufrágio de Camões no mar da China

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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