Os Lusíadas têm uma música interior – e o Twitter também

Duas estudantes da Universidade de Coimbra exploraram o campo da sonificação musical. Uma partiu do épico de Luís de Camões, outra das emoções contidas nas curtas mensagens daquela rede social.

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ADRIANO MIRANDA

Não há uma tradução do texto palavra a palavra, mas sim da sua estrutura. A substituir o que no livro são os oito primeiros versos da primeira estrofe d'Os Lusíadas, na versão de Ângela Coelho há oito compassos, com cada nota musical a mimetizar o esquema rimático da epopeia de Luís de Camões.

Ângela Coelho, que desenvolveu o trabalho de sonificação musical do clássico da literatura portuguesa no âmbito do mestrado em Design e Multimédia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), explica que a ideia de base passava por transformar dados em som. Acabou por trabalhar com texto.

Já Mariana Seiça, do mesmo mestrado, desenvolveu um trabalho de características bastante diferentes, cujo ponto de partida implicava pegar em dados em tempo real, mas que estivessem ligados a uma perspectiva mais social, conta. Daí chegou ao Twitter, onde encontrou material nos breves textos gerados pelos utilizadores. Tendo como base as mensagens de 140 caracteres da rede social, a sonificação de Mariana Seiça procura representar as emoções nelas contidas.

Pedro Martins, o docente da FCTUC que juntamente com Amílcar Cardoso orientou os projectos, sintetiza que a sonificação consiste em “representar dados através de som não falado”. Apesar de esta ser uma área científica “relativamente recente”, é um campo com várias décadas. O estetoscópio ou o contador de Geiger são instrumentos que recorrem a esse método, exemplifica.

Quando se fala em sonificação como forma de composição musical, detalha Pedro Martins, trabalhos como os do compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959) ou do norte-americano John Cage (1912-1992), também compositor e teórico musical, podem ser considerados precursores.

Não há um modelo matemático para compor uma versão sonora, explica Pedro Martins. Há sim um mapeamento. No caso da épica camoniana, Ângela Correia refere que começou por criar uma base de dados a partir da qual fosse “possível transpor a informação para diferentes caraterísticas sonoras”. Essa base de dados continha a estrutura d’Os Lusíadas.

Mariana Seiça conjugou o Twitter com a roda do psicólogo Robert Plutchik, um colorido diagrama que organiza emoções. Para lhes fazer corresponder acordes, contou com a colaboração de Rui Lopes, o seu professor de composição musical, num processo que se assemelha à elaboração de uma banda sonora de um filme.

A plataforma que criou para representar os tweets através de uma harmonia etérea recolhe as mensagens em tempo real de contas em inglês com mais de mil seguidores. Segue-se um processo automatizado de análise lexical, encaixando as palavras num leque de emoções. "'Amor' está ligado à alegria e à confiança”, ilustra. O software trata do resto, sendo responsável pelo mapeamento musical, que parte de timbres pré-definidos para cada emoção.

Apesar de o grosso do trabalho ser sonoro, há também uma componente visual. No caso de Mariana Seiça, os tweets de diferentes emoções são representados por pontos e juntam-se a grupos deambulantes no ecrã à medida que vão surgindo.

“Um dos problemas da sonificação é que é necessário criar um contexto”, refere Pedro Martins. Esse contexto pode ser facilitado com uma representação observável. “É necessário ter alguma exploração estética para cativar o ouvinte." Mas é também preciso dosear essa parte para evitar a redundância.

Os dois trabalhos tiveram a classificação final de 20 valores e foram já apresentados no Salão Brazil, em Coimbra, no âmbito do projecto Das Palavras Nascem Sons dos Sons Nascem Ideias, do serviço educativo do Jazz ao Centro. A sessão, que decorreu no último fim-de-semana de Janeiro, também foi uma forma de dar a conhecer os trabalhos fora da academia, explica o docente, que integra também o projecto Paisagens Sonoras da Cidade, tendo em vista a construção de um arquivo que caracterize vários espaços de Coimbra através do som. 

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