“Quer esticar?” Cabeleireiros têm pouca formação para cuidar de cabelos encaracolados

Dois terços da população mundial não possui cabelo liso. Em Portugal um quinto tem cabelo encaracolado ou encrespado, revela inquérito da L’Oréal.

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A ida ao cabeleireiro pode ser um drama para quem tem cabelos encaracolados Jornada Produtora/Unsplash

Francisca Flores nem sempre lidou bem com o seu cabelo ondulado e volumoso. Por isso, durante vários anos usava-o numa trança ou atado. Também Carolina Barroso se recorda de que desejava ter o cabelo liso. Mais: a ida ao cabeleireiro nem sempre é uma experiência positiva para quem tem caracóis e estes não são assim tão raros, já que dois terços da população mundial tem o cabelo encaracolado ou encrespado. Em Portugal, é um quinto da população. Nos últimos anos, as marcas têm apostado neste mercado, apresentando não só novos produtos, dos champôs aos sérums, mas também oferecendo formação aos cabeleireiros, de maneira a que se familiarizem mais com este tipo de cabelo.

“Durante o meu crescimento tive algumas más experiências, acabavam sempre por me cortar demais o cabelo”, confessa Francisca Flores, influenciadora com quase 55 mil seguidores na rede social Instagram, acrescentando que “quase evitava” a ida ao cabeleireiro. “Acho que para cabelos lisos, [os cabeleireiros] têm mais informação do que para os encaracolados. Muitas vezes até perguntam ‘quer esticar?’”, conta, por sua vez, Carolina Barroso, que é seguida por mais de 29 mil pessoas no Instagram. O “quer esticar?” é sinónimo de que o cabelo liso é mais bonito, mas é essa ideia que a Kérastase, do grupo L'Oréal, quer contrariar e, por isso, está a fazer formação junto dos seus parceiros. 

“Alguns cabeleireiros, por falta de formação, tendem a não saber lidar muito bem com estes tipos de cabelos e a coisa mais fácil é recomendar alisamentos ou brushings, o que vai de certo modo contra a natureza destes cabelos e pode ser até emocionalmente prejudicial para as mulheres”, aponta ​Cidália Ferreira, responsável pelo departamento de educação da Kérastase​. Por exemplo, continua, “não existem cabeças académicas – aquelas em que os cabeleireiros treinam – com cabelos encaracolados”. De acordo com os estudos da marca, apenas 5% dos salões têm profissionais especializados em caracóis.

A aceitação e adopção do cabelo natural tem alcançado níveis elevados nos últimos anos, particularmente na comunidade negra em todo o mundo, num esforço para acabar com a discriminação. De acordo com Cidália Ferreira, é necessário fazer com que estes cabelos sejam “socialmente aceites e que não sejam olhados como um cabelo descuidado ou menos profissional”. Por isso, defende que “a moda, a imprensa, todos podem dar o seu contributo” para essa normalização. E esta passa por olhar para algumas figuras públicas como referência, é o caso de Serena Williams, Lupita Nyong’o, Solange Knowles, Ava DuVernay e Willow Smith, conhecidas por mostrarem o seu cabelo natural.

Assim, a formação levada a cabo pela L'Oréal passa por um misto de ensino à distância e presencial. Começa com um webinar, em que é explicado o contexto do mercado, o conceito de gamas como a do Curl Manifesto, lançada recentemente e que pode ser usada em casa ou no cabeleireiro; seguem-se tutoriais online e termina com uma formação presencial, onde se discute o diagnóstico destes tipos de cabelos, os cuidados a ter, sendo também realizados cortes práticos. 

“Hoje vivemos uma era onde a naturalidade é muito importante”, analisa Cidália Ferreira. “É o quebrar dos estigmas, as pessoas sentem-se com mais voz, com mais liberdade”, sublinha, defendendo que os caracóis não devem ser escondidos mas assumidos por quem os tem. Assim se passa com Francisca Flores e Carolina Barroso, embaixadoras da nova gama da Kérastase. Depois dos traumas da infância, actualmente, os seus cabelos são motivo de orgulho. "É uma das [minhas] características físicas que hoje em dia mais gosto”, conclui Francisca Flores.


Texto editado por Bárbara Wong

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