Paulo Portas e o problema demográfico em Portugal

Mais dependentes e com menor riqueza. Mesmo com a 4.ª revolução industrial que irá porventura dispensar alguns braços por troca de algoritmos, temos um problema sério, sem dúvida.

Na sua intervenção deste domingo na TVI, num bloco televisivo sempre interessante e bem construído, Paulo Portas referiu-se com grande espanto e dramatismo ao silêncio ensurdecedor com que foi recebido em Portugal o Ageing Report 2021 sobre a situação da demografia na Europa, publicado agora pela Comissão Europeia. No que diz respeito a Portugal, Portas tem toda a razão para usar a veemência com que nos chama a atenção para a realidade que a Comissão Europeia documenta: somos um País envelhecido e em envelhecimento imparável, com cada vez mais velhos, onde o sistema de pensões público é suportado nas contribuições dos que trabalham, que inevitavelmente serão cada vez menos. O senhor de La Palice diria que temos um problema, grave mesmo, sendo incompreensível que, quando a Comissão Europeia nos chama a atenção para a gravidade da situação em que nos encontramos, não se ouça em Portugal nem um murmúrio sobre o tema, entretidos que estamos com o futebol, com a incompetência dos ministros que não se percebe o que fazem, com o ruído dos políticos que gritam banalidades e preconceitos e ainda pela triste figura dos juízes que vivem noutra galáxia. O nosso futuro não parece ser, definitivamente, um problema.

Mas o futuro, como afirma o Ageing Report 2021 publicado em Maio deste ano, é mesmo terrível. O rácio de dependência (a relação entre a população dependente, menor de 20 anos e maior de 64, relativamente à população em idade de trabalhar e que se considera ser dos 20 aos 64 anos) era em Portugal, em 2019, de 69,4% e a previsão para 2050 será de 104,1%. Ou seja, serão mais os dependentes do que os que poderão pagar por eles. Não é necessário ser-se um grande especialista para se perceber que a vida em 2050 (se os modelos de previsão revelarem alguma adesão à realidade) será bem diferente do que conhecemos hoje e que nada, mesmo nada, estamos a fazer para tentar obviar a esse resultado. O Ageing Report diz ainda mais, porque conclui que a população em Portugal vai diminuir, o que para os economistas significa menor capacidade produtiva. Mais dependentes, menor riqueza. Mesmo com a 4.ª revolução industrial que irá porventura dispensar alguns braços por troca de algoritmos, temos um problema sério, sem dúvida.

Mas o problema não está nos números, porque o Ageing Report de 2021 não traz novidades relativamente à edição de 2020, ou de 2019, ou de 2018, ou de 2015, quando foi pela primeira vez publicado neste mesmo formato. Nem sequer há grandes diferenças relativamente ao que já constava nos relatórios do Age Working Group de 2006 e seguintes, também promovidos pela Comissão Europeia. Relatórios que têm o peso da instituição que os promove e publica, aplicando a mesma metodologia a todos os Países, com a informação fornecida pelas autoridades dos Estados-membros. O que está no relatório é oficial mesmo. Só que o verdadeiro problema está nos políticos, que, percebendo que o seu horizonte, o seu prazo de validade é bem mais curto do que a ocorrência do maremoto demográfico identificado pelos especialistas, negam que haja problema, juram que o sistema de pensões públicos é sustentável e afirmam que o verdadeiro problema é dos mal-intencionados que são contra o sistema público de pensões e dos profetas da desgraça. Acontece que os políticos em Portugal mentem descaradamente há muitos anos sobre um problema que afinal está muito bem estudado. E os media, na sua função de amplificadores do ruído ambiente, abdicaram do papel de informar sobre o que é relevante para a sociedade que servem.

Claro que não é crível que Paulo Portas, político sagaz e competente, tenha descoberto a 30 de Maio de 2021 que Portugal estava posicionado para se ir apagando suavemente, embalado na cantiga do silêncio ensurdecedor. Porque todos estes relatórios da Comissão Europeia são produzidos com os contributos dos ministérios nacionais das finanças e do emprego e segurança social e até no governo de que foi vice-primeiro ministro, a pasta do Emprego e da Segurança Social cabia ao partido que dirigia. Não há, portanto, novidade.

Mas há de facto um problema. Grande, mesmo.

Ninguém se preocupa?

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