Repórter, repórter
Por temperamento, por ter estudado História, por ter estado na Guiné ao tempo da guerra colonial, dispunha das ferramentas que o tornaram o repórter que foi: quis sempre arrancar a informação no terreno, construir o seu próprio ponto de vista.
Por altura em que o Solidariedade, na Polónia, em 1981, se começou a manifestar, Carlos Santos Pereira foi para Gdansk ver e contar o que via. Comia nas tascas dos operários dos estaleiros, dormia em vãos de portas até conhecer Júlio, que lhe alugou um quarto. Era de História, como ele.
Iniciava assim a sua especialização no Leste, tendo vivido e estudado em Moscovo, de onde veio despachado, com o cão ao colo, num avião da Aeroflot.
Esteve na fundação do PÚBLICO e fez parte desse grupo de príncipes do jornalismo que por via de um encontro excepcional com o empresário Belmiro de Azevedo nos deram este jornal.
Nessa altura escreveu, como outros, reportagens que não chegaram a sair – os bunkers nas praias da Albânia, a queda do Muro de Berlim. Escrevia quase de um fôlego textos longos impecavelmente estruturados e cheios de gralhas.
Cobriu para o PÚBLICO e depois para o Diário de Notícias e a RTP2 o eclodir da guerra civil e o desmantelamento da ex-Jugoslávia. Em 1991, o espectro do conflito armado já era bem real, chegou de mota à Krajina para espanto do professor de Inglês que era o porta-voz dos sérvios desse enclave, datado do século XVII, na Croácia.
“Olhe, chegou-me aqui um repórter português de mota. Se tiver muita pressa, pega na sua mota e vem cá ter. Agora vou falar com ele”, disse Lazar Macura ao telefone a um jornalista da BBC.
Ficaram amigos, é claro. Na crise jugoslava a Krajina foi sempre para Carlos Santos Pereira o caso de injustiça histórica.
Por temperamento, por ter estudado História – e referia sempre o extraordinário professor padre Manuel Antunes –, por ter estado na Guiné ao tempo da guerra colonial, dispunha das ferramentas que o tornaram o repórter que foi: quis sempre arrancar a informação no terreno, construir o seu próprio ponto de vista.
São tempos longínquos, que nos deram também um cineasta como Tarkovski – espécie de deus para o Carlos.
Agora plantava carvalhos, que sabia que não veria crescer. Um trabalho discreto, aturado, silencioso – como é o das árvores a sair da terra.