As árvores do Jardim do Carregal, os sobreiros do Monte da Virgem, o Metro e uma falsa ideia de progresso

O Metro é progresso! É, disso não tenho dúvida, mas é um progresso que tem que ter balizas e, como está a ser feito, tem uma grande componente de retrocesso.

Qualquer dicionário atribui à palavra “progresso” o significado de “marcha ou movimento para diante”, “desenvolvimento”, “movimento progressivo da civilização”, “aperfeiçoamento”.

Se com essa definição estou de acordo, já não estou quando essa “marcha para frente” é feita a qualquer preço; sim, tem que haver limites aos passos do progresso, não ao progresso!

Em 1882, em vários jornais científicos, Alfred P. Southwick defendeu a cadeira elétrica como uma alternativa progressista à câmara de gás, por ser um processo “mais humano”, preferível à forca, que por sua vez sucedeu à guilhotina; foi anunciado como um “progresso”. Mas isto é progresso? Tenho muita relutância em aceitar que, pela alteração do método, mas manutenção das consequências, se possa estar a falar de um avanço civilizacional.

Vem esta reflexão a propósito das extensões da linha do Metro do Porto e das opções de passagem por jardins, terrenos agrícolas e pelo abate de centenas de árvores, umas em povoamentos florestais, outras ornamentais.

Ah! Mas o Metro é progresso! É, disso não tenho dúvida, mas é um progresso que tem que ter balizas e, como está a ser feito, tem uma grande componente de retrocesso.

No Porto perdem-se parcialmente alguns jardins (ou “requalificam-se”), como o do Carregal ou o da Praça da Galiza, em Gaia perde-se o último grande souto existente no “Monte Grande”, frente ao Hospital de Gaia, parte do que resta da arborização da antiga Estrada Municipal 630 (atual Rua Conceição Fernandes) e os solos agrícolas da Quinta da Corga, atualmente designada Quinta do Cisne.

Dirão que os jardins se recuperam, que se transplantam árvores e se plantam novas; é verdade, embora na maioria dos casos se plantem uns gravetos tortos, que rapidamente secam ou são partidos e, se algum dia vierem a desempenhar a função das árvores abatidas, será décadas depois da plantação; e quanto às transplantações, daqui a dias veremos o resultado.

Os sobreiros também não ficam a perder, dizem, pois haverá medidas compensatórias, consubstanciadas na plantação de outros tantos exemplares, ou até mais, noutro local; mas cada vez mais longe da cidade, neste caso, na Serra de S. Justa (Valongo); fica a perder a cidade!

E não deixa de ser sintomático que quem abriu a Estrada Nacional 630, e a pavimentou nos anos 60 do século passado, tenha plantado e mantido as árvores que, paulatinamente, têm sido abatidas; não, isto não é progresso, é mesmo retrocesso!

A isto tudo ainda se poderia acrescentar o facto de as intervenções em curso serem feitas em plena época de nidificação das aves e implicarem a destruição de inúmeros ninhos, muitos dos quais já com criação, contrariando legislação comunitária; uma das últimas colónias de andorinhão-preto da cidade está, neste momento, a ser demolida e os “pobres” andorinhões voam desesperados à procura dos ninhos que jazem entre o entulho da obra.

Aos técnicos cabe encontrar soluções que compatibilizem as novas (e desejadas) intervenções com a salvaguarda de valores sociais, históricos e ambientais; quando o não conseguem fazer – ou são compelidos a não o fazer – estamos perante uma ficção do progresso; e há, sempre, soluções de compatibilização, ou então a intervenção não se deve fazer por representar um retrocesso.

É muito mais fácil e rápido recuperar o pavimento de um arruamento do que um espaço verde, mas é sempre nestes que se pensa para fazer as obras e, raramente, é reposto com as mesmas funções urbanas e ambientais.

Uma cidade (grande Porto) que tem transporte elétrico desde 1895 claro que quer o Metro, uma evolução tecnológica (e não uma novidade) do carro-elétrico de 1895 e do troleicarro de 1959, este abandonado em 1997, não se percebe porquê (ou percebe?), em favor do motor de combustão!

Mas não a qualquer preço! Esperemos que, se vierem a pensar numa linha que passe na Torre dos Clérigos, não prevejam como medida de compensação a reedificação da torre numa qualquer terra alheia, porventura ao lado das recentemente “exportadas” barragens do Douro.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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