Combater a corrupção em Portugal – será desta?

A circunstância que vivemos actualmente no nosso país é uma vez mais, um “agora é que vai ser”. Agora é que vamos criar a solução milagrosa para resolvermos o nosso problema da corrupção.

Volta e meia e na sequência da mediatização de uma suspeição maior, ou de um relatório internacional que nos deixe menos bem posicionados na fotografia, lá vem um conjunto de propostas legislativas para o combate à corrupção.

E andamos nesta espécie de bailado há anos.

Os casos de suspeição sucedem-se na praça pública. As avaliações a Portugal, como evidencia o mais recente relatório do Greco, dizem-nos que não fazemos tudo o que devemos para afastar o problema (no caso deste relatório, relativo ao 4.º ciclo de avaliações, dizem-nos que não adotamos medidas suficientes para prevenir adequadamente a corrupção associada às atividades dos parlamentares, dos juízes e dos magistrados). E as lideranças políticas, no seu habitual afã, lá vão apresentando, por vezes em passo de corrida, novas propostas de leis e de medidas, a ver se o problema fica mais controlado.

A circunstância que vivemos actualmente no nosso país é por isso, uma vez mais, um “agora é que vai ser”. Agora é que vamos criar a solução milagrosa para resolvermos o nosso problema da corrupção.

A Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024, recentemente aprovada pelo Governo, a par das diversas propostas que entretanto têm sido apresentadas na Assembleia da República pelos Partidos Políticos nela representados relativamente à criminalização do enriquecimento ilícito, aí estão a testemunhar uma vez mais esta tendência para a procura rápida de soluções.

Não se questiona o mérito nem a bondade das propostas que têm surgido. Reconhece-se aliás que a Estratégia Nacional agora apresentada propõe uma abordagem com uma amplitude nunca antes testemunhada. Ela vai muito para lá das medidas de caráter punitivo tão típicas deste tipo de propostas circunstanciais, contemplando âmbitos tão relevantes como a promoção da educação para a cidadania, o reforço do processo formativo dos servidores públicos nas componentes da ética, da integridade e da responsabilidade no exercício do serviço público, o envolvimento das Universidades no processo de reforço da consciencialização dos jovens e da sociedade civil relativamente à integridade, ou ainda, uma maior vinculação das entidades públicas e privadas relativamente à adoção de instrumentos de prevenção de riscos.

Independentemente das medidas propostas e aprovadas numa qualquer estratégia de controlo da fraude e da corrupção, são conhecidos alguns pressupostos próprios da natureza do fenómeno da fraude e da corrupção que não podem deixar de ser considerados para se perceber que, como em tudo na vida, não existem soluções perfeitas.

De entre estes circunstancialismos, permito-me destacar os seguintes:

  • As opções por práticas de fraude e corrupção decorrerem do perfil de (menor) integridade dos indivíduos que as praticam.
  • A ocorrência de um ato de fraude ou de corrupção é e sempre será o resultado de uma opção de alguém – do autor. Deste ponto de vista, as medidas que apostem na educação para a cidadania, no reforço da interiorização dos valores da ética e na formação para a integridade podem ser perspetivadas segundo lógicas de prevenção de médio ou mesmo de longo prazo.
  • Apesar de considerar que a maioria das pessoas numa sociedade revela sinais de ser tendencialmente íntegra, importa perceber que qualquer organização, pública ou privada, pode integrar nas suas estruturas, em qualquer função e posição hierárquica, pessoas com menores índice de integridade, e que estes perfis são em regra muito difíceis de detetar precocemente, se alguma vez chegarem a ser detetados. Afinal “quem vê caras, não vê corações”. Se associarmos a estes perfis de menor integridade, elevados índices de racionalidade, facilmente percebemos as razões que nos levam a assumir que inexistem medidas de prevenção perfeitas sobre a fraude e a corrupção.
  • Será bom que nunca se perca de vista que qualquer organização, pública ou privada, pode contar nas suas fileiras com servidores menos íntegros. Alguns dos quais com elevados índices de capacidade intelectual para desafiar e contornar com sucesso sistemas de controlo muito complexos e de elevada sofisticação.
  • O factor oportunidade revela-se igualmente importante na equação das determinantes da fraude e da corrupção. Para que haja fraude e corrupção é necessário que haja oportunidade para que tal suceda. Este fator surge diretamente associado à natureza das funções que são desenvolvidas pela organização. Os instrumentos de prevenção de riscos de fraude e corrupção nas organizações visam sobretudo identificar estas oportunidades associadas a cada tarefa, e estabelecer e adotar um quadro de medidas preventivas considerado potencialmente adequado.
  • A presença de um colaborar menos íntegro, com elevada capacidade intelectual, a um lado, perante uma oportunidade associada às tarefas que exerce no seio da organização onde exerce funções, a outro, são as grandes determinantes da fraude e da corrupção nas organizações.
  • A fraude e a corrupção são fenómenos com elevadas taxas de ocultação, ou de “cifras negras”, dados os índices de racionalidade que em regra marcam os circunstancialismos da sua ocorrência, como se verificou acima. 

Enfim, para terminar recorro ao desabafo de um amigo pessoal, que há uns tempos, em circunstância idêntica à atual, afirmava que “a única forma de combater com boa eficácia a criminalidade associada à fraude e à corrupção passa pela despenalização desses crimes no código penal”. De outro modo, o mais provável será que continuemos a ter notícias e sinais da ocorrência de fraude e corrupção um pouco por todo o lado, nas organizações públicas e privadas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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