CFP alerta que cálculo do Governo para o impacto do PRR tem pressupostos “benignos”

Conselho das Finanças Públicas salienta a importância de se adoptar mecanismos de avaliação da eficácia dos fundos europeus que vão chegar ao país nos próximos anos. Entidade liderada por Nazaré Costa Cabral alerta para visão de um “aparente almoço grátis orçamental”

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Nazaré Costa Cabral, presidente do Conselho das Finanças Públicas Rui Gaudencio

O impacto positivo na economia que o Governo espera do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) parte do princípio que os investimentos a realizar serão todos de elevada qualidade, alerta o Conselho das Finanças Públicas (CFP), que vê nas mais recentes projecções do executivo para a economia e para as contas públicas alguns factores de risco.

Na análise publicada esta quarta-feira ao Programa de Estabilidade 2021-2025 entregue pelo Governo na Assembleia da República, o CFP assinala o facto de o cenário traçado para os próximos quatro anos ser fortemente influenciado pela aplicação em larga escala dos fundos europeus previstos no PRR.

As verbas que deverão começar a chegar de Bruxelas na segunda metade deste ano podem ser vistas, diz a entidade liderada por Nazaré Costa Cabral, como um “aparente almoço grátis orçamental”, já que este financiamento europeu sob a forma de subvenções permite aumentar a despesa pública sem que o défice ou a dívida se agravem.

Ainda assim, o CFP tenta refrear um eventual entusiasmo excessivo em relação àquilo que se pode esperar que o PRR faça à economia portuguesa. Nas contas que o Governo faz no Programa de Estabilidade, a expectativa é que o PRR eleve a taxa de crescimento anual do PIB português em 0,7 pontos percentuais e que, feitas as contas, no final de cinco anos, o PIB seja 3,5% mais elevado do que seria sem o PRR. O Governo assume que, por cada euro investido, se registe um acréscimo de 1,4 euros no PIB.

O CFP não apresenta as suas próprias estimativas, mas alerta para o risco de se estar, por causa dos pressupostos assumidos, perante uma projecção “benigna”. “Parte-se do princípio de que a eficiência e a qualidade dos investimentos serão elevadas. Igualmente se considera que todos os fundos disponíveis serão devidamente absorvidos”, afirma a entidade que tem como função avaliar a condução da política orçamental em Portugal.

O CFP lembra que “a experiência histórica, tanto no nosso país como em outras paragens, aponta para que se tenha de manter um máximo de rigor na selecção e no acompanhamento de todos os projectos que farão parte deste importante programa”, apelando a que se adoptem “mecanismos de análise e avaliação que permitam garantir a sua transparência, a sua eficiência e eficácia”.

Um desses mecanismo, diz, passa pela regulamentação daquilo que já está previsto na Lei de Enquadramento Orçamental, com a criação de verdadeiros programas orçamentais, para que “se saiba não apenas de que forma as diferentes componentes do PRR são concretizadas em despesa pública e os objectivos orçamentais associados, mas acima de tudo verificar, do princípio ao fim, a eficiência e eficácia, ou seja, a qualidade dessa mesma despesa pública”.

TAP e Novo Banco são riscos

O CFP volta também a assinalar, como já o tinha feito na análise ao OE 2021, a existência de outros riscos para as metas orçamentais definidas pelo Governo no Programa de Estabilidade.

As injecções de capital que possam vir a ser feitas no Novo Banco permanecem como uma das fontes de preocupação. No Programa de Estabilidade, o Governo prevê que a transferência de 430 milhões de euros prevista para este ano seja a última a ser feita. Mas, assinala o CFP, isso significa que as transferências destinadas ao Novo Banco deverão ficar, no total, 484 milhões de euros abaixo do limite máximo previsto no Acordo de Capitalização Contingente que foi assinado no momento da venda do banco. Isto é, continua a haver o risco de o Governo voltar a enganar-se no cálculo do impacto do Novo Banco nas contas do Estado.

Depois, há também riscos assumidos nas previsões feitas com a TAP. O Governo prevê, no Programa de Estabilidade, que o apoio financeiro à TAP seja de quase 3000 milhões de euros entre 2020 e 2022.

Mas o CFP lembra que “na apresentação do plano de reestruturação da companhia aérea, o Governo tenha indicado que as respectivas necessidades de financiamento poderiam totalizar entre 3414 e 3725 milhões de euros até 2024, o que constitui um risco orçamental descendente”.

No total, Novo Banco e TAP continuam a representar um risco para as projecções do Governo próximo de 1000 milhões de euros para os próximos quatro anos.

O CFP alerta ainda para a ameaça que podem constituir para as contas públicas os compromissos, explícitos e implícitos, que o Estado assumiu durante a pandemia com as garantias de crédito e com as moratórias.

No caso das garantias, o Governo assume que venha a ser executado até 2025 um montante situado entre 70 e 100 milhões de euros ao ano, um cenário que pode vir a revelar-se demasiado optimista se a recuperação económica for mais lenta e as empresas sintam dificuldades em fazer face aos empréstimos assumidos durante a pandemia.

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