Bruxelas vai aos mercados buscar 150 mil milhões por ano para fundo de recuperação

Comissão Europeia apresentou a sua estratégia diversificada de investimento para financiar o fundo “Próxima Geração UE”. Com a emissão de títulos de curto, médio e longo prazo, e “green bonds”, UE vai tornar-se a maior emitente em euros do mundo.

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Johannes Hahn, comissário europeu com a pasta do Orçamento e Recursos Humanos Reuters/POOL

O plano da Comissão Europeia para assegurar o financiamento do fundo de recuperação “Próxima Geração UE” prevê a realização de operações mensais de emissão de dívida conjunta num valor entre os 15 e os 20 mil milhões euros — um modelo que, nas previsões do executivo comunitário, permitirá arrecadar um volume global de 800 mil milhões de euros (a preços correntes) entre o início do segundo semestre deste ano e o final de 2026.

“Este é dinheiro de que os Estados-membros necessitam com urgência, e que vão poder receber, na forma de subvenções e empréstimos em condições muito favoráveis, para executar os investimentos e reformas previstos nos seus planos nacionais de recuperação e resiliência, actualmente em fase final de conclusão”, lembrou o comissário europeu com a pasta do Orçamento e Recursos Humanos, Johannes Hahn.

O responsável apresentou esta quarta-feira a estratégia para o financiamento do fundo que alavanca a recuperação e transformação da economia europeia da crise pandémica: 407,5 mil milhões de euros de subsídios que serão distribuídos através do novo Mecanismo de Recuperação e Resiliência e outros programas comunitários, e 386 mil milhões de euros de empréstimos (a que nem todos os Estados-membros poderão querer recorrer).

A estratégia de investimento, adoptada na reunião do colégio de comissários desta quarta-feira, prevê a emissão de títulos de prazo inferior a um ano, chamados de “EU bills”, e de obrigações com maturidades médias e longas. Nesse capítulo, a Comissão pretende avançar um programa de “green bonds” que pode ir até aos 250 mil milhões de euros: uma escala que fará da UE a maior emissora destes títulos nos mercados financeiros e permitirá alcançar o objectivo de 30% de financiamento “verde” anunciado pela presidente da Comissão, Ursula von der Leyen.

“Temos uma estratégia diversificada, com múltiplos instrumentos e diversos prazos de vencimento, e uma combinação de leilões e posições agrupadas, que nos permite recolher dinheiro de uma forma eficiente, em termos de custos e condições, e ter flexibilidade no acesso aos mercados e na gestão das necessidades de liquidez”, justificou Johannes Hahn, que classificou a entrada em vigor do “Próxima Geração UE” como um “momento de viragem”, que seguramente “aumentará a atractividade da zona euro no mercado de capitais mundial”. 

“Com a contracção de empréstimos no valor aproximado de 150 mil milhões euros por ano, em média, a União Europeia tornar-se-á numa das maiores emitentes em euros”, observou o comissário, que quis destacar o “significado político e económico” das decisões tomadas pelos 27 em resposta à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus, como por exemplo o “reforço do papel internacional do euro”.

Segundo Johannes Hahn, o executivo está preparado para recorrer aos mercados assim que estiverem cumpridos todos os procedimentos constitucionais de ratificação da decisão de novos recursos próprios da União Europeia nos Estados-membros — um passo fundamental para que a Comissão tenha garantias para a contracção dos empréstimos em que assenta o fundo.

Até agora, 17 Estados-membros já concluíram esse processo. Restam a Áustria, Estónia, Finlândia, Hungria, Irlanda, Lituânia, Países Baixos, Polónia e Roménia, que se comprometeram a tratar do assunto até ao fim de Maio. E falta também a Alemanha, onde se aguarda que o Tribunal Constitucional Federal se pronuncie sobre um recurso interposto já depois de aprovada a ratificação do Bundestag, contra a emissão de dívida europeia.

Johannes Hahn está confiante que a decisão dos juízes de Karlsruhe não tardará, e confirmará a legalidade do novo instrumento financeiro, de carácter temporário, desenhado para responder a um evento extraordinário, como previsto no artigo 122.º do Tratado de Lisboa. Aos restantes Estados-membros, o comissário deixou um apelo para que “acelerem”, acompanhado de uma certeza: “Assim que a Comissão for legalmente autorizada a contrair empréstimos, estará pronta para avançar”.

Mantendo-se o calendário previsto para a conclusão do processo de ratificação, e a entrada em vigor da decisão de recursos próprios já no mês de Junho, a Comissão poderia recorrer aos mercados logo em Julho, de forma a garantir as verbas necessárias para a realização do primeiro pagamento aos países, a título de pré-financiamento, mediante a aprovação dos respectivos planos nacionais de recuperação e resiliência.

Pelos cálculos da Comissão, para satisfazer esse primeiro pagamento — correspondente a 13% do total de cada envelope do programa nacional — será necessário um montante de 45 mil milhões de euros, que Johannes Hahn acredita poder ser arrecadado em dois meses. “Se começarmos em Julho, poderemos ter essa operação para os 13% de pré-financiamento concluída em Setembro”, afirmou, acrescentando que os primeiros Estados-membros a ver os seus planos aprovados serão os primeiros a ter acesso ao dinheiro.

Em relação ao pagamento dos empréstimos — recorde-se que, como está escrito no regulamento, o fundo será extinto em 2058 —, Johannes Hahn confirmou que a Comissão vai entregar a sua proposta para a criação de três novos recursos próprios da UE, através da expansão do actual esquema de comércio de emissões (ETS, de emission tradind scheme), da criação de um mecanismo de ajustamento de carbono nas fronteiras e de uma nova taxa digital. Pelos cálculos do executivo, com a introdução destas novas fontes de receita, a UE poderia adicionar anualmente entre 13 a 15 mil milhões de euros ao seu orçamento, dependendo do ritmo do crescimento da economia.

Esse é precisamente o custo estimado do serviço da dívida do fundo de recuperação no próximo quadro financeiro plurianual (cerca de 15 mil milhões de euros, ou 10% do orçamento anual), pelo que se os Estados-membros derem luz verde à adopção destes novos recursos próprios não teriam de aumentar as suas contribuições nacionais para os cofres de Bruxelas para pagar os empréstimos.

O comissário europeu para o Orçamento reconheceu esta quarta-feira que “há diferentes opiniões e abordagens nos Estados-membros” e que as negociações não vão ser fáceis ou rápidas. “Por isso a nossa proposta tem de ser equilibrada, com um número suficiente de novos recursos que facilite a aprovação por todos”, acrescentou. Ainda segundo Johannes Hahn, uma outra proposta para a criação de uma taxa sobre as transacções financeiras será apresentada em 2024. 

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