Terminal de contentores de Alcântara – que fazer?

Alcântara tem condições soberbas para ser um pólo de actividades náuticas e medíocres para um terminal de contentores. Para quê optar pela mediocridade, quando temos a excelência ao alcance da mão?

Doze anos depois, o terminal de contentores de Alcântara (TCA) volta a ser notícia. Desta vez, optou-se por uma política de pequenos passos, porque o projecto megalómano de 2008 não passou a rampa da opinião pública (uma petição contra o projecto mobilizou dezoito mil assinaturas).

Não é por ser mais pequeno que este projecto deve ser aceite. Quando o actual cais foi ampliado, em 1980, estava prevista uma utilização até 2004, data em que as operações seriam deslocalizadas. É importante notar que aquela ampliação já não fazia sentido nessa altura. Agora ainda faz menos. Deve pensar-se seriamente em acabar de vez com a utilização daquele cais para contentores e não continuar a sonhar com ampliações, ainda que sob o manto diáfano da “amizade ao ambiente” - que não é assim tão diáfano. Aqueles pórticos estragam toda a vista para o rio e para a ponte, os contentores criam uma barreira intransponível entre Alcântara e o Tejo. Um terminal ali é um disparate, seja qual for o ponto de vista a partir do qual se olhe para ele – ambiente incluído.

As razões pelas quais pensamos que o TCA é um erro são:

a) Lisboa não precisa de um terminal deep sea. Temos um – Sines – a 65 milhas náuticas. Os grandes portos são infra-estruturas nacionais e não locais. Não deve haver competição entre Sines e Lisboa. No Mediterrâneo, Espanha tem dois terminais de contentores de dimensão relevante – Algeciras, que movimentou em 2019 cerca de 5 125 000 TEU e Barcelona, mais pequeno (aproximadamente 3 325 000 TEU). Para comparação: Lisboa tem uma capacidade, actualmente, de 568 000 TEU. Em 2019 movimentou 428 250. (Imagine-se o que será preciso ampliá-lo para ser competitivo). A distância entre Algeciras e Barcelona é de 515 milhas náuticas. No Atlântico, Espanha tem um terminal de contentores de dimensão significativa – Gijon. França tem dois grandes terminais – Le Havre no Atlântico e Marselha no Mediterrâneo. É difícil explicar porque precisa Portugal de dois e para mais tão perto um do outro. Sugiro que se vejam fotografias destes portos – o Google providencia bastantes – para se ver o que seria ter um terminal de contentores no meio de uma cidade;
b) Um porto de contentores requer duas condições para ser competitivo: calado e espaço para o manuseamento dos contentores em terra. Alcântara poderá vir a ter esse calado, mediante dragagens regulares da barra e do próprio cais (isto deve ser verificado. Não sei se poderemos chegar aos -16m ZH) mas nunca terá o espaço necessário em terra – mesmo admitindo o projecto delirante de aterrar a Doca do Espanhol, objectivo da APL aqui há uns anos e que eu não acredito tenha sido lançado para onde devia ir: o cesto dos papéis, ou a não menos delirante ideia de usar a doca para transbordo dos contentores  para barcaças;
c) Depois de descarregados, os contentores precisam de ser evacuados, por caminho-de-ferro ou por estrada (a ideia dos batelões já foi posta de lado, felizmente). Não é por acaso que todos os grandes portos de contentores estão longe dos centros das cidades: as estradas e linhas de comboio necessárias para evacuar esses contentores não são fazíveis praticamente no centro de Lisboa ou num local com a malha urbana de Alcântara;
d) Lisboa não deixa de ser um cidade portuária por converter um dos seus dois terminais de contentores para outros usos. O Porto de Lisboa tem mais uma quinzena de terminais, para todo o tipo de cargas. Não é o TCA que faz de Lisboa uma cidade portuária. Basta ir-se de Santa Apolónia para montante para se ver que o Porto de Lisboa é muito mais do que o TCA – e isto sem falar da margem Sul, que tem por exemplo o terminal de granéis alimentares  da Trafaria entre outros cais;
e) Todas as grandes cidades portuárias se viram confrontadas com o problema da revitalização de portos construídos nos seus centros, à medida que estes se foram tornando obsoletos ou desadequados às necessidades actuais – as cidades foram-se desenvolvendo em torno dos portos. Todas optaram por dedicá-los à náutica de recreio, actividade para a qual são muito mais adequadas do que para movimentar contentores. Ao contrário do que se pensa, a náutica de recreio não são «iates para ricos». É: escolas de navegação, estaleiros, bares, cafés, ship chandlers, empresas de charter, supermercados, lavandarias, lojas de roupa, mercearias e garrafeiras, galerias de arte e um ror mais de actividades. A náutica de recreio origina um leque vastíssimo de actividades económicas – da mesma forma que um hotel de cinco estrelas dá trabalho a muitos que não são ricos. Em França, Espanha, Reino Unido, Dinamarca são inúmeros os portos de recreio que se desenvolveram nos locais dos antigos portos de mercadorias. É difícil perceber porque há-de Lisboa ser uma excepção – sobretudo quando se pensa que se está a falar de uma pequena fracção do porto;
f) Alcântara tem condições soberbas para ser um pólo de actividades náuticas e medíocres para um terminal de contentores. Para quê optar pela mediocridade, quando temos a excelência ao alcance da mão?

Seja como for, pensamos que a questão deve ser dirimida por um estudo internacional, executado por uma entidade independente, sobre qual a melhor utilização a dar àquele espaço. Até esse estudo estar concluído – deve ser o mais rapidamente possível – não se toque no que lá está. Afinal, já devia ter saído dali há dezasseis anos, quase dezassete.

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