Patrões, sindicatos e Deco defendem prolongamento das moratórias

Na próxima quarta-feira, 31 de Março, termina período para particulares e empresas aderirem ao regime das moratórias bancárias. No dia seguinte, quem aderiu à moratória pública começa a pagar juros

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Crédito à habitação é uma das preocupações Nelson Garrido

Associações empresariais, sindicatos e a associação de defesa dos consumidores Deco defendem o alargamento do prazo para acesso às moratórias bancárias e o prolongamento das mesmas, avisando que têm sido o “balão de oxigénio” de famílias e empresas. Há 3700 milhões de euros em moratórias de crédito concedidas no âmbito da covid-19 que terminam na quarta-feira, mas a Associação Portuguesa de Bancos (APB) afirma que isso não constitui “um factor geral de preocupação”.

“Decorrido um ano desde o início da pandemia, o tecido empresarial enfrenta agora aquele que será o pior momento em termos de fragilidade económica e financeira acumulada, com o enorme risco que tal representa. Por isso, a AEP [Associação Empresarial de Portugal] considera que o período [de novas adesões às moratórias] deve ser prolongado, atendendo à premência da liquidez dos agentes económicos”, afirmou o presidente daquela associação em declarações à Lusa.

Salientando que “a falta de liquidez, agravada pela crise pandémica, constitui um constrangimento muito sério para as empresas”, Luís Miguel Ribeiro alerta para o previsível aumento do “nível de incidência do crédito malparado se não houver o prolongamento da medida”.

Já para a associação que representa o sector bancário nacional “os bancos continuarão, findo o período de vigência das moratórias, dentro do quadro legal e regulatório que lhes é aplicável, a acompanhar e a avaliar a situação particular de cada cliente e a promover soluções que permitam, sempre que possível, o cumprimento pontual dos contratos por parte destes”. “De acordo com o que alguns bancos têm vindo a afirmar publicamente, as moratórias que se vencem no final deste mês não constituirão um factor geral de preocupação”, disse a APB em resposta por escrito a questões da Lusa.

Para a Deco, “permitir novas adesões e por mais tempo poderá ser uma medida positiva para algumas famílias confrontadas com a diminuição drástica dos seus rendimentos e para aquelas que ainda não os recuperaram”.

“Para muitas famílias, as moratórias têm vindo a constituir um importante ‘balão de oxigénio’ e serão determinantes para evitar situações de incumprimento, nomeadamente se no final do período da moratória a família tiver conseguido recuperar o seu rendimento”, salientou à Lusa a coordenadora do Gabinete de Protecção Financeira (GPF) daquela associação, Natália Nunes.

Falar já com o banco

A APB sublinha que quem não tiver condições para cumprir as responsabilidades deve agir de imediato. "No caso de qualquer família que antecipe neste momento que, quando terminar a moratória, não terá condições para retomar os seus pagamentos, é importante que entre logo em contacto com o seu banco para encontrar uma solução que evite que entre em incumprimento.”

A União Geral de Trabalhadores (UGT) avisou já, por sua vez, num comunicado emitido na passada terça-feira, que irá lutar pelo alargamento dos prazos de acesso às moratórias dos créditos à habitação, considerando este apoio determinante para trabalhadores que viram os rendimentos do trabalho reduzidos como consequência da crise pandémica.

“Apesar de o regime de alargamento dos prazos das moratórias públicas ter sido alargado até ao final de Setembro de 2021, a verdade é que algumas moratórias privadas, que implicam a negociação directa com a banca, já venceram ou estão prestes a vencer e muitas famílias começam a ser chamadas a pagar as respectivas prestações, sem que para isso tenham condições por terem visto os seus rendimentos reduzidos”, sustenta a central sindical.

Juros pagos a partir de Abril

De acordo com dados do Banco de Portugal (BdP) divulgados na quarta-feira, no final de Janeiro havia 3700 milhões de euros de créditos à habitação na moratória privada da APB, cujo prazo para adesão e fim do período de vigência termina no dia 31 de Março. Para o crédito não hipotecário, como créditos pessoais e ao consumo, o pagamento inicia-se em Julho.

No caso da moratória pública, a partir de 1 de Abril, quinta-feira, começam a ter de ser pagos os juros dos empréstimos, com o capital a ter de começar a ser pago depois de 30 de Setembro. No entanto, nas moratórias públicas estão previstas duas excepções: para as empresas de sectores em dificuldades e para particulares (incluindo crédito hipotecário), cujo prazo de vigência vai até ao final de Setembro. Os aderentes a moratórias até final de Março têm direito a um prazo de vigência de nove meses, caso não tenham aderido a nenhuma moratória.

Para a UGT, é “inadmissível” a desigualdade de tratamento dada pelo Governo na questão das moratórias, quando se trata das empresas: “Se para as empresas há prolongamento, redução, isenção das moratórias de capital e juros, porque é que o executivo não age de igual forma com os trabalhadores? Se as empresas são afectadas por problemas de tesouraria, claramente milhares de trabalhadores, ao não terem rendimentos incorrem no risco de perder a sua habitação própria permanente”, questiona.

Empresas estão “esgotadas”, afirma CCP

Ouvido pela agência Lusa, o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) disse que “algumas empresas conseguiram aguentar durante o último ano sem recorrer a moratórias, porque ainda lhes foi possível combinar meios próprios e alguns apoios ao emprego ou à actividade”.

“Todavia – salientou João Vieira Lopes – as empresas esgotaram as suas reservas e os apoios, para além dos habituais atrasos, começam a escassear”.

“Muitas empresas só conseguirão retomar actividade de uma forma efectiva se recorrerem a crédito em condições compatíveis com a actual conjuntura, nomeadamente em termos dos seus rácios financeiros que serão, com toda a certeza, maus”, sustenta.

Para o dirigente empresarial, “o fim do prazo para acesso a moratórias é preocupante”, sobretudo porque “não há muitas alternativas no momento presente": “As empresas ou acreditam que conseguem recuperar e para isso vão precisar de liquidez, ou encerram portas nos próximos meses, cenário muito provável para 20% ou 30% do tecido empresarial do comércio e muitos serviços”, afirma.

Defendendo que a “consolidação e restruturação das dívidas, com aumento de maturidade, também devem ser encaradas”, Vieira Lopes considera ainda “fundamental encontrar alternativas para este financiamento”, admitindo “que uma parcela desse crédito possa ser convertida em subsídio a fundo perdido”.

Segundo alerta a Deco, “o fim do prazo da moratória, seja ela pública ou privada, poderá ser um grande problema, sobretudo para as famílias que não conseguem recuperar os seus rendimentos antes do fim das moratórias”.

De acordo com a associação, as famílias com dificuldades financeiras que pediram ajuda à instituição no ano passado “têm em média cinco créditos: um crédito à habitação, dois créditos pessoais e dois cartões de crédito”.

“Muitas vezes, o crédito à habitação já está a beneficiar da moratória legal ou pode vir a aceder à mesma até 31 de Março. Contudo, os dois cartões de crédito e os créditos pessoais nunca beneficiaram de uma moratória legal, ou, tendo beneficiado de uma moratória privada, esta já terminou ou está na iminência de terminar”, destaca Natália Nunes.

Sem encargos, pede CGTP

Também para a CGTP - Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, “a questão da resposta aos problemas imediatos com que centenas de milhares de famílias estão confrontadas tem de passar pelo alargamento das moratórias, sem quaisquer encargos acrescidos”.

“Por outro lado – disse à Lusa a secretária-geral da intersindical, Isabel Camarinha – exigem-se respostas que assegurem o emprego e as retribuições por inteiro dos trabalhadores, pois esta é a forma mais eficaz de garantir que as empresas (as que recorreram às moratórias e as restantes) consigam retomar a sua actividade e o volume de vendas que lhes permita fazer face aos diferentes encargos que têm”.

O presidente da AEP considera ser fundamental “o reforço e prolongamento das medidas de apoio à economia pelo menos enquanto perdurarem os efeitos da pandemia, sob pena de uma escalada de insolvências de empresas que são viáveis, mas que atravessam agora uma situação muito difícil”.

Entre as medidas a prolongar, Luís Miguel Ribeiro destaca as moratórias de crédito, cuja manutenção diz ser “crucial para as empresas, sem necessidade de reclassificação desses créditos pela banca como “créditos reestruturados, pelas limitações que tal situação implicaria”.

“Defendemos também a necessidade do alargamento muito significativo da maturidade dos empréstimos bancários contraídos em contexto covid-19, na medida em que as empresas não têm possibilidade de gerar cash-flows para procederem aos reembolsos ao ritmo a que estavam previstos, salvaguardando que tal prolongamento não vai implicar penalizações para a empresa”, acrescenta.

“Com tudo isto – adverte – pretende evitar-se que à crise económica e social se junte uma crise financeira, que ninguém deseja”.

"Maior partilha”, diz APB

Face à “expressividade” da medida na resposta à crise causada pela pandemia de covid-19, superior à maioria dos restantes países europeus, a APB “tem vindo, a par do Banco de Portugal, a defender que o desenrolar das moratórias e a sua extinção devem ser adequadamente planeados, evitando efeitos de ‘precipício'”.

No entender da associação presidida por Fernando Faria de Oliveira, a solução “deverá passar pela consagração de medidas de apoio às empresas dos sectores de actividade mais afectados pela pandemia que, sendo viáveis, possam ainda não estar, findas as moratórias, em condições de gerar fluxos de tesouraria compatíveis com as suas obrigações creditícias”.

“Essa nova fase de apoios deverá assentar numa maior partilha do esforço entre sector bancário e Estado”, assumindo o erário “um papel central na recapitalização e recapacitação do tecido empresarial nacional, ao abrigo da flexibilidade admitida pelo quadro temporário de Auxílios de Estado” da Comissão Europeia, bem como dos fundos a receber de Bruxelas.

Na sexta-feira, o governador do BdP considerou que Portugal não pode adoptar medidas sobre as moratórias de forma isolada do contexto europeu, afirmando não ver razões para que tal acontecesse.

Sublinhando que as moratórias bancárias “têm um enquadramento europeu muito claro”, Mário Centeno precisou que Portugal não age sozinho neste domínio e não pode tomar este tipo de medidas “isoladamente”.

“As moratórias têm um enquadramento europeu muito claro, Portugal não age sozinho nesse domínio e, portanto, todas as moratórias que foram implementadas foram sob as directrizes da Entidade Europeia Bancária que é quem regulamenta estas medidas. Não as podemos tomar isoladamente”, sob pena de ter “um efeito de ricochete nos clientes bancários muito mais negativo” do que a moratória pudesse vir a ter caso se entendesse que o seu fim traria problemas, defendeu.

Segundo o BdP, no total, cerca de 33,2% do valor de empréstimos às empresas e 16,1% do total de empréstimos aos particulares estavam sob moratória no final de Janeiro, num montante de 24 e 20 mil milhões de euros, respectivamente.

No final de Janeiro, tinham empréstimos em moratória 54 mil sociedades não financeiras (22,4% do total de empresas devedoras) e 408 mil particulares (8,8% do total de devedores).

As empresas de alojamento e restauração eram as que mais se destacavam, com 57% do montante dos seus empréstimos abrangidos por esta medida.

Considerando apenas os sectores classificados como “mais vulneráveis” à pandemia (definidos no Decreto-Lei 22-C/2021 de 22 de Março de 2021 e de que são exemplo o alojamento, a restauração ou a cultura), o BdP reporta estarem em suspensão de pagamento um total de 8400 milhões de euros, representativos de 34,4% do total de empréstimos das sociedades não financeiras em moratória.

Relativamente aos cinco maiores bancos portugueses, no final de 2020 o Santander tinha 8600 milhões de euros em moratórias, o Millennium BCP 8568 milhões, o Novo Banco 6900 milhões e o BPI 5620 milhões.

Referente a Janeiro deste ano, a Caixa Geral de Depósitos apresentava 5992 milhões de euros abrangidos por moratórias.

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