Rui Rio e as sociedades secretas

Numa altura em que os portugueses estão a braços com o maior problema das suas vidas, Rui Rio dedica-se à captura de velhas bruxas. Imaginem o que seria se um dia esta pessoa estivesse à frente dos destinos do país.

No início de maio de 2008, tinha eu passado da tutela da Proteção Civil para a das Florestas, recebo uma chamada de Álvaro Barreto, que conhecia da vida parlamentar, a convidar-me para ser orador num jantar que reuniria, segundo ele, um conjunto de “figuras relevantes da sociedade portuguesa”.

A minha primeira reação foi de desconfiança. O que levaria ao convite a um secretário de Estado de áreas habitualmente desinteressantes para as “elites” portuguesas? Muito curioso, dois dias depois respondi, aceitando.

Recordo-me muito bem de todos os que estavam naquele dia, no tal jantar. Alguns deles cairiam com os escândalos da segunda década deste século.

Álvaro Barreto, na sua fleuma, não queria que eu falasse de florestas, nem de desenvolvimento rural, havia sido ministro da pasta que ainda conhecia bem. O que ele queria era saber ainda melhor da forma de governar de Sócrates, a organização do poder socialista que parecia em lenta decomposição, as ideias que o PS teria para depois de 2009. Mas, no debate que se seguiu ao pouco agradável jantar volante, muitas das questões levantadas andaram à volta do meu conhecimento pessoal e político do primeiro-ministro e também do líder do PSD, Pedro Passos Coelho. Aquelas pessoas gostavam verdadeiramente de saber notícias de caserna, embalo a que não me dei e que talvez os tenha dececionado.

Constatei, naquele encontro irrepetível, que havia uma rotina bem determinada. Dois jantares mensais, um deles com um convidado, todos organizando a circulação de informação sobre as grandes decisões relativamente a contratos públicos e a investimento. Fiquei a conhecer uma parte do tal país que mais tarde se veio a designar perfidamente – DDT.

O mais recente debate em torno da proposta de Rui Rio, que visa obrigar os políticos a declararem a que organizações pertencem, levou-me ao tal jantar de maio de 2008.

Rio e os seus mais próximos não estão interessados na longa lista de associações cultuais e desportivas que os deputados e autarcas possam integrar. Rio meteu na sua cabeça dura a ideia de que a Maçonaria o andava a “tramar” e que a fazê-lo também o faria, com maior propriedade, relativamente aos interesses do país.

Claro que Rio não se rodeia de gente laborada e, por isso, na enxurrada da Maçonaria viria também o Opus Dei. Esta “bipolaridade” é uma invenção jornalística a que boa gente acabou por dar guarida.

A Maçonaria tem séculos de existência, assumiu muitas das transformações da sociedade contemporânea e foi determinante, em Portugal, na oposição ao regime do Estado Novo. O Opus Dei é uma prelatura pessoal que ainda não tem cem anos e que nasceu de uma visão de mundo e de uma posição política marcadas pela Espanha da guerra civil e por uma opção religiosa tradicionalista na intervenção social.

Nunca fui da Maçonaria mas já participei em eventos por esta organizados. E quando falo “esta” estou a referir-me às exteriorizações que são conhecidas e que não se revelam unicamente no histórico e relevante Grande Oriente Lusitano. Senti a antipatia de alguns conhecidos maçons quando votei contra a atual lei da IVG e quando procedi, da mesma forma, na votação da eutanásia.

Também nunca fui do Opus Dei, mesmo sendo crente e praticante, mesmo tendo lido toda a obra de Josemaria Escrivá, mesmo tendo feito o Programa de Alta Direção da prestigiada escola de negócios que a ele está ligada. Senti a antipatia de conhecidos numerários e cooperadores da Obra quando me pronunciei, em texto publicado neste jornal, pela inexistência das visões de Fátima e, mais recentemente, nas questões relativas à ainda incipiente “descolonização mental” sobre o ultramar português.

A pergunta que se pode fazer, perante as circunstâncias descritas, é a seguinte: qual é a relação entre as experiências que vivi e agora partilho neste texto? Para mim há só uma – há muitas congregações secretas que, não existindo juridicamente, organizam, orientam e manobram objetivos privados perante as obrigações e os interesses públicos; e há instituições legalmente constituídas, mesmo com formas de organização muito reservadas ou elitizadas, que tendo leituras de sociedade e a esta querendo implicar, encontram sempre nos diversos poderes os limites e as sindicâncias à sua ação.

Juntando a tudo o que revelo importa conformar a iniciativa do PSD com a letra e o espírito da nossa Constituição da República. A liberdade de associação estaria ameaçada a partir do momento em que, sem qualquer razão substantiva, se lançasse uma espécie de contagem de benfiquistas e portistas no universo da vida política. Sim, porque a iniciativa legislativa não deixa nada de fora, nem sequer uma associação de pais. Para Rui Rio ser autarca e columbófilo pode ser um perigo e tal estatuto deve ser proclamado urbi et orbi.

As obrigações declarativas que hoje impendem sobre os políticos são já extensas. Nelas estão os empregos de onde advêm, os bens que possuem, com quem estão casados ou vivem, as ligações empresariais que detêm. Esta lista é uma das mais completas que se podem observar nos países da União Europeia.

Numa altura em que os portugueses estão a braços com o maior problema das suas vidas, Rui Rio dedica-se à captura de velhas bruxas. Imaginem o que seria se um dia esta pessoa estivesse à frente dos destinos do país – ia tudo raso. Há um impulso caudilhista no líder do maior partido da oposição. E, nas áreas dos direitos individuais, o atual líder do PSD consegue mesmo superar o seu antecessor Cavaco Silva no tempo das maiorias absolutas e do intervencionismo diário na comunicação social.

Ex-membro do XVII Governo Constitucional

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico​

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