A circunstância dos testes rápidos

Os testes laboratoriais são apenas um dos pilares fundamentais que sustentam a estratégia edificada para resistir à pandemia. Como assinala o escritor Italo Calvino no livro As Cidades Invisíveis, “a ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra (…) mas pela curva do arco que estas formam”.

Poucos dias após a declaração da covid-19 como pandemia pela OMS, o seu diretor-geral, Tedros Adhanom, numa mensagem endereçada aos decisores políticos a 16 de março de 2020, repetia por três vezes, como um mantra, a palavra “testar”. Sublinhava, deste modo, a importância do diagnóstico laboratorial da covid-19, afirmando que “não podemos travar a pandemia se não conseguirmos identificar quem se encontra infetado”. Os testes laboratoriais constituem, efetivamente, um elemento fundamental no controlo da pandemia, permitindo a realização de rastreios, o diagnóstico da doença e a sua evolução epidemiológica.

Por todo o mundo, os laboratórios prontamente se alistaram no combate à crise pandémica, adquirindo novos equipamentos e metodologias de diagnóstico sofisticadas que, perante o aumento exponencial de novos casos, permitiram ampliar a sua capacidade de resposta a uma escala sem precedentes. O diagnóstico de covid-19 é realizado através da deteção de componentes do vírus – proteínas específicas (antigénios) ou material genético (ARN) – em amostras do trato respiratório superior, sendo a PCR considerada o método de referência.

No entanto, qualquer resultado de um exame complementar de diagnóstico deve ser sempre contextualizado na história clínica e o contexto epidemiológico de cada doente, em particular. Na covid-19, a interpretação dos resultados dos exames realizados deve ter sempre em consideração o contexto clínico do doente, uma vez que a sensibilidade do teste pode variar com o tipo de amostra biológica, a qualidade da colheita e a dinâmica da carga viral em cada fase da doença. Consequentemente, num doente com quadro clínico fortemente suspeito de covid-19, um teste negativo só por si não permite excluir a presença de infeção.

O filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955) dizia que “eu sou eu e a minha circunstância”. Ora, o mesmo acontece quando a doença se instala, uma vez a sua evolução é variável de acordo com diversos fatores individuais, por exemplo, fatores genéticos, idade, comorbilidades, etc. Assim, qualquer resultado laboratorial deve ser integrado na circunstância concreta de cada doente, porque a doença é o doente e a sua circunstância. Por outro lado, o conhecimento dos diferentes tipos de testes e da metodologia laboratorial associada permite uma correta utilização dos mesmos, tendo em conta a fase da infeção em que o doente se encontra e a informação que cada teste nos permite obter.

Os testes rápidos são dispositivos de baixa complexidade e execução técnica, o que permite a obtenção de resultados mais rapidamente, em apenas 10 a 30 minutos após a sua realização. Os testes de antigénio apresentam, porém, uma sensibilidade inferior relativamente aos testes de PCR, sobretudo quando a carga viral é mais baixa. No entanto, permitem identificar precocemente indivíduos com cargas virais mais elevadas, ainda que assintomáticos, e, assim, quebrar cadeias de transmissão.

Nesse sentido, a DGS atualizou, a 12 de fevereiro, a Estratégia Nacional de Testes para a infeção por SARS-CoV-2, recomendando a realização de rastreios periódicos com testes rápidos de antigénio em locais em que existe maior risco de transmissão, como escolas, lares ou unidades de cuidados continuados ou em setores que mantêm a sua atividade, como a indústria ou a construção civil. Trata-se, ao fim e ao cabo, de um investimento que tem como objetivo principal controlar a transmissão da doença, prevenindo o aparecimento de novos surtos. Com o início do desconfinamento e o levantamento de algumas medidas restritivas, ocorrerá, naturalmente, um aumento do número de novos casos, que é necessário identificar atempadamente. Sem uma capacidade de testagem adequada para rastrear as novas infeções, estas podem passar despercebidas, dando origem a novos surtos, o que implicaria um retrocesso no desconfinamento, com todos os custos sociais e económicos envolvidos.

Os testes laboratoriais, através da identificação precoce de novos casos, permitem quebrar possíveis cadeias de transmissão, diminuindo o número de hospitalizações e, por conseguinte, a pressão gerada sobre os serviços de saúde. No entanto, um resultado laboratorial não dispensa o cumprimento das medidas preventivas, como a utilização de máscara, a higiene das mãos ou distanciamento físico. Neste contexto, os testes laboratoriais são apenas um dos pilares fundamentais que sustentam a estratégia edificada para resistir à pandemia. Como assinala o escritor Italo Calvino no livro As Cidades Invisíveis, “a ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra (…) mas pela curva do arco que estas formam”.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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