Agricultores americanos olham com cautela para a agenda verde de Biden

Resistentes à mudança, mas dispostos a introduzir novas técnicas se isso for rentável, muitos agricultores dos EUA admitem melhorar o seu registo no combate às alterações climáticas. Para isso ser possível, pedem mais apoios e menos regulamentações.

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Muitos agricultores dizem que já usam técnicas menos poluentes há vários anos Adrees Latif

A família de Garrett Riekhof cultiva milho e soja nas proximidades da pequena localidade de Higginsville, no estado norte-americano do Missouri, desde que os seus antepassados ali chegaram vindos da Alemanha, há mais de um século.

“Continuo a cultivar precisamente o mesmo pedaço de terra”, disse o agricultor, de 39 anos, à Fundação Thomson Reuters. “Se isto não é sustentável, alguém tem de vir cá explicar-me porquê.”

A Administração do Presidente Joe Biden tem como objectivo transformar a agricultura norte-americana num sector mais verde, num plano mais abrangente para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e evitar os piores impactos das alterações climáticas.

“A agricultura é, provavelmente, a primeira e a melhor forma de começarmos a registar vitórias na área do ambiente”, disse Tom Vilsack, o novo secretário do Departamento de Agricultura dos EUA, durante a sua audiência de confirmação no Senado, em Fevereiro.

A produção agrícola representa aproximadamente 10% das emissões nos Estados Unidos – emissões que terão de cair se o país quiser cumprir o objectivo de zero emissões até 2050.

O plano de Vilsack é dar incentivos aos agricultores para fazerem cortes nas emissões, através de subsídios de um fundo de 30 mil milhões de dólares (25 mil milhões de euros) do Departamento de Agricultura, que o Presidente Trump usou para apoiar os agricultores atingidos pela guerra comercial que lançou contra a China.

A redução das emissões pode ser alcançada com um cultivo mais eficiente, com o uso de mais energias renováveis e com uma melhor protecção dos solos.

Mas a equipa de Biden vai ter de convencer os agricultores – a maioria dos quais não o apoia politicamente – dos benefícios de fazerem as mudanças pedidas.

Segundo uma sondagem de Outubro da revista de agricultura Farm Journal, 85% dos agricultores questionados disseram que iam votar em Trump, que não tinha qualquer plano nacional para combater as alterações climáticas.

“Faroeste”

Questionados sobre a sua disponibilidade para fazerem mudanças, muitos agricultores dizem que já começaram a proteger mais os solos e a cortar no uso de fertilizantes.

Brian Harbage, um agricultor de sétima geração no condado de Clark, no estado do Ohio, disse que adoptou medidas de protecção dos solos há três décadas, quando passou a tomar conta da quinta.

Através do método que passou a aplicar, as sementes das colheitas são plantadas por perfuração em solo não arado, o que reduz a erosão e ajuda a reter mais carbono no subsolo.

“Começámos a fazer isso desde o primeiro dia”, disse Harbage, salientando as poupanças em custos de trabalho e combustível. “Senti logo que havia valor naquilo.”

Harbage, que é agricultor há 28 anos, disse que também emprega “técnicas de agricultura de precisão”, como o uso de fertilizantes com base em combustíveis fósseis apenas onde é mais necessário, cortando na quantidade usada e no gasóleo para os aplicar.

Os agricultores norte-americanos já produzem mais e com menos emissões, segundo o Instituto dos Recursos Mundiais, uma organização com sede em Washington.

O cultivo das terras e a criação de gado cresceram cerca de 30% entre 1997 e 2017, e as emissões prejudiciais para o ambiente subiram apenas 7%.

Mas os agricultores dizem que vai ser difícil fazer mais cortes.

Plantar “culturas de cobertura” – como trevos ou outras plantas que reforçam os nutrientes no solo – durante o Inverno, depois da principal colheita, pode reter mais emissões de carbono e melhorar os nutrientes do solo, dizem os especialistas.

Mas Harbage disse que raramente as usa por causa dos custos acrescidos e dos desafios logísticos.

E não está sozinho. Segundo o censos de 2017 na área da agricultura, as culturas de cobertura foram semeadas apenas em 3,9% das terras.

O equipamento necessário para uma agricultura mais verde também pode ter um custo proibitivo para os agricultores, numa indústria em que uma nova colhedora custa centenas de milhares de dólares, disse Garrett Hawkins, presidente do Gabinete de Agricultura do Missouri.

“Não é possível trocar nem comprar novo equipamento com um estalar de dedos”, disse Hawkins, salientando que os agricultores estão abertos a receber incentivos para introduzirem mudanças mais ambiciosas nas suas práticas. No entanto, sublinha que as promessas de reforço das regulamentações, por parte da Administração Biden, vão enfrentar uma grande oposição.

“Podemos continuar a fazer mudanças positivas, mas, ao mesmo tempo, não nos atem as mãos com regulamentações desnecessárias”, pediu Hawkins.

Para ajudar a pagar os incentivos, Vilsack tem dito que quer estabelecer um mercado de carbono em que as empresas poluidoras podem investir em adaptações para reduzir as emissões.

Elena Irwin, directora do Instituto de Sustentabilidade da Universidade do Ohio, disse que as empresas já começaram a abordar os agricultores no Ohio para pagarem a redução das emissões e ganharem créditos com isso.

Mas, sem uma forte regulação nesse mercado, é “um pouco como o faroeste”, disse Irwin. Se fosse estabelecido um “banco de carbono”, poderia haver uma maior certeza e mais estabilidade, tanto para os agricultores como para os investidores nos cortes das emissões.

Irwin defende que a Administração Biden deve impor um limite às emissões das empresas poluentes, para as obrigar a pagar por práticas agrícolas menos ecológicas.

Caso contrário, o mercado ficará “dependente do voluntarismo de grandes empresas para fazerem o que é o mais correcto”.

Financiamento público

Os agricultores podem também vir a ter as suas próprias razões para tentar cortar nas emissões – incluindo o agravamento das condições climatéricas e as mudanças nas épocas de cultivo e colheita.

Segundo a sondagem de 2020 no sector agrícola do estado do Iowa, 81% dos agricultores locais dizem agora que acreditam na realidade das alterações climáticas, uma subida assinalável em relação aos 61% em 2011.

No entanto, apenas 18% acreditam que as alterações são causadas “principalmente pela actividade humana” – uma posição que vai contra o consenso da comunidade científica mundial.

“Na minha opinião pessoal, o nosso clima tem mudado desde a evolução do mundo”, disse Riekhof.

Ainda assim, o agricultor do Missouri disse que notou a ocorrência de fenómenos cada vez mais estranhos, como períodos breves de muito calor e muito frio, e queda de chuva mais pronunciada.

Jenny Hopkinson, representante do Sindicato Nacional dos Agricultores norte-americanos, disse que é preciso investir mais verbas para se descobrir as melhores formas de sequestrar carbono, e para ajudar os agricultores a lidarem com mais secas e cheias.

Essas verbas devem incluir financiamento público para a investigação e apoio técnico para ajudar os agricultores a aceitarem novas ideias.

“A chave aqui é garantir que temos uma série de ferramentas e de opções para os agricultores”, disse Hopkinson, sublinhando que muitos agricultores só adoptam uma novidade “depois de a verem em acção noutro sítio”.

Riekhof disse também que os agricultores têm de garantir que as mudanças não põem em risco a finalidade do seu trabalho. Testar novas ideias envolve sempre algum nível de risco, e implementá-las leva tempo, pelo que os agricultores “resistem à mudança”, admitiu.

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