A China é o adversário escolhido por Trump para a sua guerra comercial

Novas taxas sobre os produtos tecnológicos chineses abrem a porta a um conflito comercial entre duas das maiores economias do planeta. Para já, a Europa parece a salvo das medidas proteccionistas do Presidente norte-americano.

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Donald Trump assina ordem para aplicar novas taxas aos produtos chineses Reuters/JONATHAN ERNST

Se há uma característica que todos concordam em atribuir a Donald Trump é a de que gosta de uma boa luta. E nesta quinta-feira, o Presidente dos EUA decidiu deixar bem claro qual é o adversário escolhido para a luta que pretende iniciar no comércio internacional e que promete abalar a forma como tem vindo a funcionar a economia mundial nos últimos anos.

No espaço de poucas horas, os responsáveis da Casa Branca fizeram dois anúncios que têm a China como principal alvo. Primeiro, o representante para as negociações comerciais dos EUA revelou no Congresso que iam isentar a União Europeia, Brasil, Argentina, Austrália e Coreia do Sul da aplicação das taxas sobre o alumínio e o aço anunciada no início do mês, deixando a China praticamente isolada como nação prejudicada pela medida. Depois, o próprio Donald Trump assinou uma ordem que irá permitir a imposição de taxas mais altas e obstáculos aos investimentos de produtos e empresas chinesas do sector tecnológico, num montante que poderá ascender aos 50 mil milhões de dólares.

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“É a primeira de muitas”, disse Trump, com ar desafiador, no momento em que mostrou aos jornalistas a ordem que tinha acabado de assinar e poucos segundos depois de o seu secretário do Comércio, numa breve tentativa de apresentar um tom conciliador, ter mostrado esperança “de que tudo se possa resolver através de negociações”.

Se no caso do aço e do alumínio a justificação apresentada tinha sido a defesa da segurança nacional, agora, as novas taxas sobre produtos vindos da China são apresentadas como uma resposta directa ao que os EUA dizem ser o desrespeito da China em relação à propriedade intelectual das empresas norte-americanas. Na prática, os EUA acusam Pequim de aproveitar-se da sua tecnologia e de, assim, conseguir vender mais facilmente os seus produtos no mercado norte-americano, desequilibrando a balança comercial em seu favor.

Para além disso, Trump defendeu ainda que a China aplica taxas sobre os produtos americanos que são mais altas do que as aplicadas pelos EUA. “A palavra que quero usar é reciprocidade. Se eles nos cobram alguma coisa, nós cobramos-lhes a mesma coisa”, disse.

Ainda não estão definidos quais os produtos a que serão aplicadas as taxas e quais os sectores onde os investimentos chineses serão limitados — isso apenas acontecerá dentro de 15 dias. No entanto, já foram dadas indicações de que os produtos visados serão aqueles que alegadamente beneficiam do uso de tecnologia norte-americana, colocando o sector tecnológico chinês (aquele que é a principal aposta actual do Governo de Pequim) em lugar de destaque nesta luta comercial.

A escolha da China como adversário não surpreende. Antes e depois de ser eleito, Donald Trump sempre apresentou este país como o principal inimigo económico dos EUA, referindo por diversas vezes o défice de 375 mil milhões de dólares face à China e acusando o gigante asiático de quase todos os problemas que têm sentido os trabalhadores e as empresas norte-americanas nas últimas décadas.

É verdade que, no início do mês, a Casa Branca tinha confundido os analistas (e provavelmente a própria China), quando anunciou o agravamento das taxas sobre o aço e o alumínio sem distinguir países. Nesse cenário, a China, que é apenas responsável por cerca de 2% do aço e alumínio comprado pelos EUA ao estrangeiro, acabava por não estar entre os países mais prejudicados pela medida. Mas agora, ao isentar quase todos os outros países, voltou a ficar claro quem era verdadeiramente o visado.

Bolsas reagem

O que irá sair deste duelo entre EUA e China no comércio internacional é, nesta fase, muito difícil de prever. As relações comerciais entre estas duas potências económicas mundiais são muito complexas, o que faz com que para cada uma das medidas tomadas haja sempre vencedores e perdedores dos dois lados da fronteira. Por exemplo, se tornar mais cara a entrada de telemóveis fabricados na China nos EUA, a Administração Trump irá estar a afectar o negócio de empresas como a Apple, que criam a tecnologia e o design do iPhone nos EUA, mas aproveitam os custos baixos do fabrico do aparelho na China.

É por causa desse tipo de problema que, esta quinta-feira, na Bolsa de Nova Iorque, se assistiu, a seguir ao anúncio de Trump, a uma queda de 2,5% nos principais índices accionistas, com títulos como a Apple a registarem perdas significativas.

Para além disso, há também questões de ordem geoestratégica que ficam mais baralhadas: Trump conta com a ajuda de Pequim para conseguir uma vitória diplomática na Coreia do Norte e com as medidas agora anunciadas pode colocar essa ajuda em causa.

Aquilo que é certo, neste momento, é que a China não deixará de retaliar. Mesmo antes do anúncio oficial da Casa Branca, a porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros deixou claro que, caso os EUA avançassem com este tipo de acção, a China iria "adoptar todas as medidas legais necessárias para proteger os seus interesses”. E, tendo em conta as enormes interdependências entre os dois países, há poucas dúvidas de que a China, embora com as suas próprias debilidades, tem na sua mão alguns trunfos com que pode afectar os Estados Unidos.

Para o resto do mundo, e em particular para a União Europeia, o facto de ter ficado agora de fora das taxas aplicadas pelos EUA não é, neste cenário, motivo para grandes festejos. Uma guerra comercial de larga escala entre os EUA e a China teria, na economia altamente globalizada da actualidade, enormes efeitos colaterais para todos os outros países.

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