Milhares de professores vão ter que dar aulas presenciais e à distância ao mesmo tempo

Governo separou datas do desconfinamento do 3.º ciclo e ensino secundário, mas muitos docentes dão aulas a ambos os níveis de ensino. Solução é fazer ensino remoto a partir das escolas, mas os directores temem que a rede de Internet não seja suficiente.

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Daniel Rocha

Teresa Soares “não contava que fossem dividir o 3.º ciclo e o ensino secundário” no plano de desconfinamento. Quando o primeiro-ministro anunciou, na quinta-feira, que os alunos do 7.º ao 9º ano retomam as aulas a 5 de Abril, enquanto os colegas do 10.º ao 12.º ano o fazem apenas duas semanas depois, ficou preocupada. “Como é que vou conseguir dar aulas presenciais e à distância ao mesmo tempo?”, pensou. Há milhares de professores na mesma situação. Durante duas semanas, vão ter que conciliar as duas modalidades de ensino.

Professora há quase 30 anos, Teresa Soares lecciona Português ao 8.º e 10.º anos no agrupamento de escolas Dr. João de Araújo Correia, em Peso da Régua. O seu horário numa terça-feira, por exemplo, começa às 8h50, com os alunos do ensino secundário, uma aula que continuará a ser dada remotamente até meados do próximo mês. Para as 10h45, está marcada a lição com os estudantes do 3.º ciclo, que volta a ser presencial depois da Páscoa.

O intervalo de dez minutos entre as duas aulas “não dá tempo para chegar de casa à escola”, garante. A única solução será cumprir o horário lectivo como se fosse dar todas as aulas presencialmente, sabendo, porém, que os alunos do ensino secundário vão continuar à distância. “É mais uma novidade a que vamos ter que nos adaptar”, comenta Teresa Soares.

Atendendo à forma como está organizada a carreira docente, o 3.º ciclo do ensino básico e o ensino secundário correspondem ao mesmo grupo. O relatório Educação em Números 2020, publicado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, revela que há 76.735 professores do 3.º ciclo e ensino secundário. Pelas estatísticas não é possível perceber quantos dão efectivamente aulas a ambos os níveis de ensino simultaneamente. O presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (Andaep), Filinto Lima, estima que sejam umas dezenas de milhar: “É seguramente um número apreciável”.

O dia-a-dia de muitos destes professores “vai ser um puzzle difícil de fazer”, defende Anabela Paiva Figueiredo, professora de Educação Física no agrupamento de escolas de Soure. As cinco turmas a que dá aulas são de quatro anos de escolaridade diferentes: 8.º e 9.º anos, do 3.º ciclo, e 10.º e 12.º, do secundário.

Os seus alunos do ensino secundário têm uma aula por semana (metade da carga lectiva) assíncrona. A professora atribui uma tarefa aos alunos no início da sessão e mantém-se disponível para tirar dúvidas durante aquele período. A outra aula da semana é feita de forma síncrona, com a professora a realizar exercícios com os alunos em tudo semelhantes aos que faria presencialmente. Fazer a gestão entre esses vários momentos “vai ser confuso”, antecipa Anabela Paiva Figueiredo. Desde logo, “vai ser preciso procurar um sítio calmo para conseguir dar a aula com alguma qualidade.”

As duas semanas entre 5 de Abril, quando forem retomadas as aulas presenciais do 3.º ciclo, e 19 de Abril, momento em que voltam às escolas os estudantes do ensino secundário, vão “ser muito complicadas para estes professores”, acredita o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira, antecipando “dificuldades ao nível de organização” para os professores e os agrupamentos. É às escolas que compete encontrar o espaço para que estes professores possam dar aulas, por exemplo.

“Estando os docentes a assegurar estes dois regimes em simultâneo durante esse período, têm evidentemente a possibilidade de acompanhar os alunos ainda em regime não presencial a partir da escola. Será uma opção em função do horário de cada um”, diz ao PÚBLICO o Ministério da Educação. Na generalidade dos agrupamentos de escolas contactados essa é precisamente a hipótese mais viável em cima da mesa: manter os horários integralmente. Ou seja, os professores vão dar as aulas remotas ao ensino secundário a partir das salas onde teriam as aulas presenciais. Essa solução resolve a questão logística, mas não responde a todos os problemas, em especial aos tecnológicos.

No agrupamento de escolas Dr. João de Araújo Correia, em Peso da Régua, onde Teresa Soares dá aulas, as dificuldades de ligação à Internet vêm de longe. “Dependendo do edifício” em que dá aulas, esta professora de Português tem “condições de acesso muito diferentes”. Quando estava a dar as aulas presencialmente, já sabia que, em determinados espaços da escola, precisava de ter um “plano B" sempre que o planeamento da aula passasse por recorrer a recursos digitais. “Se fosse usar um vídeo que está online, por exemplo, leva-o numa pen drive, para garantir que podia passá-lo caso a Internet falhasse”, conta. E falhava regularmente.

Essa dificuldade é reconhecida pelo director da escola duriense, Salvador Ferreira. “Não sei se temos capacidade de Internet para ter 20 professores a dar aulas à distância ao mesmo tempo”, afirma. Além disso, faltam outras condições tecnológicas. Apesar de todas as salas da escola sede do agrupamento Dr. João de Araújo Correia terem um computador, não existem câmaras de vídeo. “Vou ter que pedir ajuda à câmara municipal, muito provavelmente”, antecipa o director.

Dificuldades semelhantes são reportadas por outros directores de escolas contactados pelo PÚBLICO. De qualquer modo, a capacidade da rede informática dos estabelecimentos de ensino tem sido melhorada nos últimos meses, com a implementação de novas ligações na Rede Alargada da Educação. A generalidade das escolas usufrui de acessos em fibra, com ligações simétricas, que são diferentes das ligações domésticas.

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