Música

País Cansado, uma peça contra o medo dos tempos em que vivemos

Uma pessoa de máscara cujo rosto é indecifrável, ruas vazias e janelas fechadas que se repetem vezes sem conta mostram um “país cansado”. É um cenário, embora já habitual, que não deixa de impressionar.  O preto e o branco das imagens transparecem, de uma forma crua, a soturnidade, o vazio e a solidão, ao mesmo tempo em que ouvimos “Eu vi o sol cair e nunca mais subir naquele país cansado/ eu vi o mar secar e nunca mais herdar àquele país cansado”.

A ideia, explica o músico e compositor César Magalhães, pairava desde Abril de 2020, mas só agora ganhou forma. “Percebi que estava a ganhar um novo rumo e fazia sentido. Não só por se tornar numa coisa estrutural, mas agora a ameaça torna-se uma coisa quase circular, cíclica, que se vai repetindo. E isso assusta-me”, começa por explicar ao P3.

Durante três meses dedicou-se ao projecto, assim como Rosamusgo, que lhe empresta a voz, e João Passos, que disponibilizou o estúdio. Escreveu a letra e percorreu as ruas vazias de Viana do Castelo, Lisboa, Porto, Évora ou Coimbra para o vídeo. “A ideia era recriar toda a ideia de um país, enfim, amordaçado, confinado.”

O videoclipe é um enigma e, ao mesmo tempo, o espelho de 2020 e 2021. Para César Magalhães, é um aviso. “Eu temo muito que o medo se torne uma modalidade normalizada. Que as pessoas se habituem a este novo estilo de vida (…), que o aceitem apesar de isto nos estar a destruir por dentro de várias formas. Portanto, estamos a reconfigurar uma sociedade para resolver um problema, marginalizando todos os restantes.” A angústia, a ansiedade, a solidão e a dor acrescentam algum dramatismo e, acima de tudo, evocam uma reflexão sobre o presente e a incerteza do futuro. Afinal, “quem vem refazer das cinzas uma flor até o sol dançar”?

Há uma luz que se acende no escuro, um relógio que assinala o tempo a passar e molduras que recordam tempos diferentes. Todos estes elementos, explica, estão associados à ideia de esperança. “Há uma alusão ao 25 de Abril e a vários momentos da história, ou seja, isto é uma réplica de crises que já sucederam e, no fundo, a nossa reacção às crises. Só que esta dialética, neste momento, é incerta. Soubemos como acabou o 25 de Abril, acabou em liberdade. Não sabemos como é que isto vai acabar.”

César Magalhães é natural de Vila Praia de Âncora. A paixão pela música, a sua área de formação, começou cedo. Músicas para entidades oficiais, para espectáculos ou de carácter erudito são alguns dos seus palcos. País cansado, disponível no YouTube desde 13 de Fevereiro, é um dos muitos temas que compôs e também o mais interventivo, “quase à Zeca Afonso”, como descreve.

Texto editado por Amanda Ribeiro