“O Porto ainda me encanta”: como é ser artista estrangeira numa cidade gentrificada?

Uma artista polaca deixa o Porto; outra brasileira chama-lhe casa. Numa cidade "entregue ao turismo", ainda é possível respirar arte?

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Há quatro anos, BerriBlue abria a porta de um apartamento no Porto, sem saber que em 2023 a ia fechar. “O senhorio quer triplicar a renda e encontrar um apartamento com um estúdio e espaço para tudo o que preciso vai custar um valor muito mais alto do que, por exemplo, na Polónia.”

Foi lá que nasceu, apesar de nunca se ter sentido propriamente em casa. Aliás, o mais perto que esteve de sentir isso foi em Portugal, a sua “casa escolhida” há “seis ou sete anos” — ainda que tenha “muita consciência” de que é estrangeira: “Agora, há muitas pessoas a mudarem-se para aqui. E talvez eu não devesse dizer isso, porque também sou estrangeira e tenho consciência disso, mas sinto que me integrei realmente, sinto-me parte daqui”, refere.

Apesar disso, teve de deixar de o ser. Actualmente a expor na Bienal de Florença, a artista polaca fez as malas e deixou Portugal (com algumas ideias de voltar), mas ficaram muitas partes de si para trás: basta andar pelas ruas portuenses para as ver nas paredes. Os azulejos (um dos motivos pelos quais se apaixonou por Portugal) que pinta são identificáveis pelo azul predominante, pelos motivos do folclore, os diabos, as caveiras, os ossos, as mãos com as unhas pintadas de vermelho, e claro, a Mosca: a cadela que BerriBlue não tira do colo.

“Senti uma mudança tremenda no Porto. Todos os meus amigos estão a mudar-se e eu não conseguia pagar, enquanto jovem criativa, uma renda aqui. E o que aconteceu no Stop foi, de certa forma, um ponto final para mim. Estão a fechar espaços criativos para abrir restaurantes chiques e hotéis”, lamenta.

Noutro ponto da cidade, fora do centro, numa zona "mais calma", fica o atelier de Karla Ruas. A artista brasileira sente que, apesar de tudo, o Porto ainda a recebe bem. Mudou-se para a cidade em 2019, depois de ter vivido na Nova Zelândia. Precisou de um certo distanciamento com o Brasil para se sentir “nutrida” e capaz de “valorizar as raízes”: as suas pinturas mostram-nos mulheres negras em contacto com a natureza. 

"O meu trabalho revolve à volta da minha ancestralidade. É fortalecedor, não só de quem eu sou, mas do caminho antes de mim", descreve. As paredes do estúdio estão cobertas com mulheres do seu imaginário, homenageadas a um oceano de distância, numa cidade que, acredita, roubou “espaços artísticos” e "entregou-os ao turismo".

O panorama actual, onde “não temos o básico”, compromete a saúde mental, defende: “As pessoas estão preocupadas em assegurar o básico. Não vai ser arte que vão procurar.” Ainda assim, não está desencantada com a cidade. E compromete-se: “Nós, artistas, temos de trabalhar de forma colectiva para mudar o panorama. Porque acredito que temos essa possibilidade.”

Deixar o atelier que partilha com três mulheres artistas não é uma possibilidade. Afinal, hoje em dia chama “casa” ao Porto. “Posso ir, mas quero sempre voltar."