Avó, estou à distância de uma chamada

Ficaram por acontecer os desabafos que só os avós podem ouvir, os abraços que só os netos podem dar. E foram muitas as despedidas que se adiantaram porque algo falhou na prevenção da transmissão do maldito vírus.

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Foi há um ano que o primeiro caso positivo de covid-19 foi confirmado em Portugal. Foi-nos pedida uma rápida reinvenção do nosso dia-a-dia, as salas de estar viraram escritórios, os pavilhões tornaram-se hospitais, os quartos substituíram as salas de aula e o convívio trocou os cafés por videochamadas. Mas e o amor? Também se reinventou?

Por muito que desconhecêssemos o vírus, diz o bom senso e a medicina que a idade é um factor de risco transversal a quase qualquer patologia e, por isso, proteger os nossos idosos tornou-se uma prioridade. Interessante como a palavra protecção nos remete ao abraço e à união, mas foi no isolamento que a encontramos.

A medo, causado pelo inimigo invisível, mas também pela reacção com que seria recebida a notícia, a cada avô e a cada avó foi explicado o que implicaria o resguardo da sua saúde. Os almoços de domingo estariam cancelados por algum tempo, as visitas ao lar dificultadas e os carinhos teriam de ficar para outra altura. Aproveitariam os dias das entregas das compras para falar à janela e as resistências às novas tecnologias teriam de ser ultrapassadas. Por fim, trocaram-se promessas, ambas as partes teriam cuidado de forma a cuidarem-se. E os laços tricotados pelo sangue e sobretudo pelo afecto, que ao longo da vida se tornam uma teia de amparo, não seriam rompidos por nada.

Nenhuma destas primeiras conversas previu um período tão longo de restrições, momentos insubstituíveis ficaram injustamente por viver. Quantos avós não puderam conhecer os netos recém-nascidos, pegar neles e sentir um filho que também é seu? Foram perdidas as boleias da escola para casa, 15 minutos de conversa que colocavam em perspectiva como os tempos tinham mudado. É dolorosa a forma como o vidro frio do telemóvel, em nada comparável com a doce bochecha de um neto, aprisiona para si os beijinhos enviados no final da videochamada. A comida feita pela avó que vem cuidadosamente embalada perdeu o sabor especial da sua presença.

Ficaram por acontecer os desabafos que só os avós podem ouvir, os abraços que só os netos podem dar. E foram muitas as despedidas que se adiantaram porque algo falhou na prevenção da transmissão do maldito vírus e as que não se cumpriram da forma desejada por causa do mesmo. Por outro lado, o afastamento imposto tornou o afastamento por descuido um arrependimento. Tomou-se consciência da efemeridade dos momentos e das pessoas, a saudade grita ainda mais quando não pode ser calada e provavelmente muitas relações entre avós e netos assim se salvaram, as que foram a tempo.

Impossível reinventar o amor porque este não tem uma definição rígida, adapta-se às circunstâncias. No contexto em que vivemos, adquiriu a forma de sacrifício para que num futuro próximo o abraço volte a significar protecção. 

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