Privado tinha um terreno junto ao Estádio do Mar. Agora tem quatro que eram da câmara de Matosinhos

Em causa está a reversão de uma permuta de parcelas com promotor imobiliário que ia construir hotel junto ao estádio do Leixões. O promotor voltou atrás por incumprimento de cláusula que implicava ligação à A28. As obras estão agora em curso, mas por outro traçado. Desde Outubro do ano passado, após troca com a câmara, o privado duplicou a área das parcelas.

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Paulo Ricca

Só no final do último trimestre do ano passado é que a permuta foi concretizada, mas o anúncio de que essa intenção seria levada avante foi feito pela câmara de Matosinhos ainda em 2018. Em causa está a troca de um terreno junto ao Estádio do Mar, que era propriedade de um privado - onde seria construído um hotel -, por quatro terrenos camarários. A Detevan – Investimentos Imobiliários LDA não seguiu com a empreitada programada por não ter sido cumprida a cláusula sobre a A28 inscrita no contrato de uma primeira permuta, que seria condição obrigatória para fazer a obra. Esse volte-face implicou para a autarquia a perda de outros quatro terrenos. Para colmatar essa falha, em Outubro de 2020, a câmara entregou ao investidor quatro parcelas com 11.600 metros quadrados, avaliadas em 5,5 milhões de euros, em troca de uma parcela com 5050 metros quadrados, que quando foi comprada ao Leixões Sport Club custou cerca de 3 milhões de euros. Agora, a ligação à A28 está em andamento, só que com outro traçadomas o promotor ainda não deu sinais de querer avançar com a obra nos terrenos que foram permutados.

Quem pagou esse valor ao clube matosinhense ainda foi a câmara municipal. À data o terreno onde funcionava um campo de treinos era do Leixões e após a sua venda passou a ser camarário. Só que em 2010 a autarquia fez uma primeira permuta com a Detevan, na altura com outra designação, que implicou a passagem de propriedade dessa parcela para o promotor imobiliário. Nesse terreno nasceria um hotel de 24 andares. Mas, como garantia, o investidor exigiu como condição para a construção que a obra de ligação da A28 às traseiras do Estádio do Mar entrasse em marcha nos dois anos seguintes. A empreitada para nova saída da auto-estrada não arrancou em tempo útil e o promotor desistiu dos planos. Agora, essa cláusula já está a ser cumprida mas o promotor não deu sinais de querer avançar com a obra.

Em reunião de câmara de 2018, à margem da votação para o Plano de Urbanização daquela zona, que inclui a requalificação do campo de jogos Óscar Marques e implicava nova permuta de terrenos com a Detevan, o antigo presidente da câmara da autarquia, Narciso Miranda, que nessa altura já era vereador da oposição por lista independente, dizia que o incumprimento do que estava contratualizado referente à ligação da A28 poderia implicar o pagamento de uma indemnização que poderia chegar aos 40 milhões de euros. Em 2004, quando se começou a delinear o Plano de Urbanização da Zona Envolvente do Estádio do Mar, em vigor desde 2008, Narciso era presidente da câmara. Por isso, votou favoravelmente a proposta que implicava nova permuta, alegando “coerência” e de forma a evitar o pagamento da indemnização. A proposta passou com a abstenção da CDU e com voto contra dos dois vereadores eleitos pela lista de António Parada e de Ana Fernandes, eleita pela lista de Narciso Miranda, que votou a favor como os vereadores socialistas do executivo de Luísa Salgueiro. 

Desde o final do ano passado, a câmara de Matosinhos recuperou o terreno que está junto ao viaduto que liga à feira da Senhora da Hora, com 5050 metros quadrados, onde funcionava um campo de treinos, e que já tinha comprado ao Leixões anteriormente por cerca de 3 milhões de euros. Em contraponto, a Detevan acrescentou ao seu património quatro novas parcelas, uma na rua Eduardo Torres, junto à Casa do Inglês, no valor de 3,97 milhões euros, e três terrenos, no valor de 1,87 milhões de euros, totalizando uma área de 11 600 metros quadrados.  

Nova ligação, planos desconhecidos

Entretanto, estão neste momento em marcha as obras de ligação daquela zona à A28, só que por percurso diferente do que estava previsto anteriormente. Ao PÚBLICO, a autarquia diz que os trabalhos agora em andamento correspondem a duas obras na envolvente do estádio do Leixões. Uma diz respeito a uma ligação entre a Barranha e a Cruz de Pau através de um viaduto sobre a A28. A outra, que teve início em Junho de 2020, liga a Avenida Edison Magalhães à Escola Básica do Estádio do Mar, que no seu conjunto fazem ligação com a autoestrada em questão. A primeira tem data prevista de conclusão marcada para o início de 2023 e está orçada em 4 milhões de euros. A segunda, no valor de 2 milhões de euros, estará terminada em Outubro deste ano.

Com a construção destas ligações em andamento, o PÚBLICO quis saber junto da Detevan se existem intenções para serem retomados os planos para a construção de um hotel, mas agora em terrenos que foram permutados pela câmara, que não ficam muito longe do local onde vai desembocar a saída da A28. Mas nenhum dos contactos telefónicos que surgem nas pesquisas feitas está activo, sendo que um deles corresponde a uma morada do Porto e outra a espaço situado no Complexo Empresarial Lionesa, em Leça do Balio, que tem como administrador Pedro Pinto, que recentemente adquiriu o Teatro Sá da Bandeira e, entre outros investimentos, também é um dos donos da Livraria Lello. Há uns anos adquiriu também alguns prédios da rua do Loureiro, no Porto, nomeadamente o que alberga a Confeitaria Serrana e os terrenos do Mosteiro de Leça do Balio.  

Até ao momento, à câmara não chegou qualquer Pedido de Informação Prévia (PIP), ou pedido de licenciamento para construção nos terrenos permutados, adianta a autarquia em resposta ao PÚBLICO. Garante o município que qualquer edificação nos terrenos agora propriedade da Detevan “vai obedecer ao Plano de Urbanização do Complexo Desportivo do Estádio do Mar e sua envolvente”.

A requalificação do Complexo Óscar Marques já está em marcha desde 2019 e já em Maio deste ano será inaugurado o campo de jogos - empreitada que custou à autarquia 1,6 milhões de euros. À espera de abertura de concurso público está outro lanço da obra, que esperava o aval do Tribunal de Contas para o terreno que após nova permuta volta a ser propriedade da câmara: “A permuta apenas foi concretizada em Outubro de 2020 após visto do Tribunal de Contas. Assim, apenas a partir desse período foi possível iniciar a elaboração do projecto, e respectivo início de procedimento para desenvolvimento de projecto de execução, para construção de um segundo campo no complexo Óscar Marques com as medidas regulamentares que o anterior não tinha e, por isso, deixou de ser utilizado. Apenas após esse processo estar concluído é que será lançado concurso público e a execução de nova empreitada”.

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