As mortes no Texas pela falta de electricidade eram evitáveis, diz Bill Gates

Se a rede de energia tivesse sido protegida contra o frio, o sistema teria conseguido dar resposta. Em 2011 tinha já havido um aviso. Peritos apontam ainda outras fraquezas.

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No Texas "houve um desastre provocado pelo homem em cima de um natural” MIKALA COMPTON/Reuters
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GO NAKAMURA/Reuters

Como é possível o estado que é o maior produtor de petróleo e de gás natural dos Estados Unidos, a economia mais rica do mundo, ter sofrido grandes cortes de energia que deixaram casas sem aquecimento ou água potável durante dias, provocando mais de 20 mortes? Há várias explicações, e para uma série de peritos, o desastre era totalmente evitável.

Numa entrevista ao jornalista Anderson Cooper na CNN, o bilionário e filantropo Bill Gates, que se tem dedicado também à luta contra as alterações climáticas, afirmou que estas mortes poderiam ter sido evitadas se as autoridades do estado tivessem decidido proteger o sistema de distribuição de possíveis consequências do mau tempo. 

A primeira reacção do governador republicano do Texas, Greg Abbott, foi culpar as energias renováveis, dizendo que as turbinas para a energia eólica tinham congelado.

Mas Gates sublinhou que a fatia de electricidade de fontes renováveis não é sequer suficientemente grande para haver preocupação com a sua estabilidade. O problema, apontou, foi a falta de protecção contra o frio nas centrais de gás. “E poderiam ter sido protegidas”, disse. “Isso custa dinheiro, e foi feita uma escolha [de não o fazer], e não resultou, e é trágico que tenha levado à morte de pessoas”.

Gates também argumentou que como as alterações climáticas são a principal causa destes fenómenos meteorológicos extremos, tem de se apostar na prevenção para evitar mais desastres, ainda piores.

“É irónico que se culpem as energias renováveis sem a percepção de que vamos ter de lidar com estas questões a não ser que consigamos que o mundo todo reduza as emissões”, disse ainda Gates.

Outros especialistas mencionaram fragilidades específicas do sistema de energia do Texas, e ainda uma demora em agir que levou a rede a ficar muito perto de um ponto sem retorno.

Houve cortes que deixaram 4,5 milhões de pessoas sem energia na segunda-feira, e mesmo quase uma semana mais tarde, mantinham-se 65 mil sem acesso a electricidade. Esta crise levou a outra, de falta de água, quando os canos rebentaram com o congelamento da água.

Mas podia ter sido ainda pior: o operador da rede disse que ficou a “minutos e segundos” de um apagão que afectasse os 26 milhões de consumidores. Estes apagões descontrolados acontecem quando os operadores não conseguem gerir a crise fazendo eles próprios cortes de energia, e têm mais consequências, podendo demorar semanas ou mesmo meses até que os consumidores tenham de novo energia.

O problema da atitude independente 

Uma análise no site da estação de televisão NBC News culpa “a conhecida atitude independente e secessionista” do Texas, que “levou a um desastre provocado pelo homem em cima de um natural”.

A Reuters sublinha que este é o único estado do território continental dos EUA que tem uma rede independente e isolada. Isto quer dizer que evita regulação federal, mas também limita a capacidade de ir buscar energia a outras redes.

A queda das temperaturas que levaram a um aumento da procura de energia maior do que a capacidade de resposta não era difícil de prever, disse à agência britânica Jay Apt, co-director do Centro de Indústria de Energia Eléctrica Carnegie Mellon. Houve já vários anos em que o estado teve ondas de frio: em 1983, 1989, 2003, 2006, 2008 e 2010, apontava a Comissão Federal que regula a energia num relatório sobre baixas temperaturas que levaram a cortes que deixaram mais de 3 milhões de consumidores sem electricidade em 2011. 

Nessa altura, o regulador recomendou à ERCOT que preparasse o seu sistema para possíveis picos no Inverno do mesmo modo que prepara para o pico do Verão. Alertou que a capacidade de reserva parecia bem em teoria, mas não tinha em conta que muitas unidades que geram electricidade poderiam ficar sem capacidade por causa das temperaturas geladas.

Outro problema na crise da semana passada foi a demora na reacção. Adam Sinn, da empresa Aspire Commodities, com sede em Houston, disse que a ERCOT esperou demasiado até cortar o fornecimento aos consumidores para evitar o colapso do fornecimento – e isso foi visível vários dias antes de segunda-feira, quando finalmente houve um grande corte. “A ERCOT estava a deixar o sistema ficar cada vez mais fraco”, disse Sinn, que no domingo à noite começou a avisar amigos que vivem no local para se prepararem para cortes generalizados.

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