Birmânia: “O medo nas nossas cabeças está a desaparecer”

Anunciadas penas de até 20 anos de prisão para quem dificultar a acção das forças armadas quando os militares mandaram tanques para as ruas. Adiada ida de Suu Kyi a tribunal prevista para esta segunda-feira.

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Manifestantes puseram faixa dizendo "Movimento de desobediência civil" num carro de combate LYNN BO BO/EPA
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Na capital, muitos manifestantes levavam cartazes de Suu Kyi pela sua libertação e regresso ao poder Reuters
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O partido de Suu Kyi venceu as legislativas de Novembro com maioria absoluta NYEIN CHAN NAING/EPA
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Para além dos tanques, os militares aumentaram a sua presença em várias cidades LYNN BO BO/EPA

Os protestos pela libertação de Aung San Suu Kyi, a líder do Governo detida por militares num golpe militar a 1 de Fevereiro, continuaram nas ruas de cidades da Birmânia, apesar de militares terem deslocado tanques para as ruas e aumentado a sua presença, na primeira exibição de força desde o golpe.

Foram ainda anunciadas penas de até 20 anos de prisão para quem dificultar a acção das forças armadas, e penas e multas para quem incitar “ao ódio ou desprezo” contra os líderes militares “através de palavras, ditas ou escrita, ou por sinais, ou por representações visíveis”, segundo uma declaração num site militar citada pela emissora britânica BBC. 

A primeira ida de Suu Kyi a tribunal, para responder por acusações de importar ilegalmente seis rádios walkie-talkie, acabou adiada para quarta-feira, disse o seu advogado.

O golpe e a detenção de Suu Kyi, que interrompeu o lento e frágil processo de democratização iniciado há uma década com a progressiva retirada dos militares e abertura a civis, levaram milhares de pessoas às ruas, nos maiores protestos em mais de dez anos. Os militares alegam agora que houve fraude nas eleições de Novembro, que o partido de Suu Kyi venceu com maioria absoluta.

“Fazer patrulhas com tanques quer dizer que estão a ameaçar pessoas”, disse Nyein Moe, 46 anos, uma entre milhares em frente do Banco Central de Rangum, citada pelo Guardian. “As pessoas estão nas ruas e não querem saber se são presas ou atingidas a tiro. O medo nas nossas cabeças está a desaparecer.”

“Esta é a luta pelo nosso futuro, pelo futuro do país”, disse Esther Ze Naw, parte de um grupo de jovens activistas pela democracia, à agência Reuters. “Não queremos viver numa ditadura militar. Queremos estabelecer uma união federal onde todos os cidadãos, todas as etnias sejam tratadas de igual modo.”

Os protestos contra a manobra do Exército fazem lembrar, diz a Reuters, erupções de oposição a quase um século de regime militar no país.

Esta forte presença nas ruas marca a primeira vez que o regime deslocou carros de combate em larga escala para as ruas desde o golpe. 

Na cidade de Mandalay, a segunda maior do país, há relatos de que militares e polícia dispersaram manifestações pacíficas usando balas de borracha e fisgas, diz o diário britânico The Guardian. Um líder de uma associação estudantil disse que várias pessoas ficaram feridas.

No domingo, a polícia disparou – não era claro se com balas de borracha ou reais – contra manifestantes numa localidade no Norte do país. Não havia relatos de vítimas. 

​A agência Reuters diz que os protestos eram, esta segunda-feira, menores do que em dias anteriores, mas não era claro se isso se devia a intimidação ou a cansaço. “Não podemos vir protestar todos os dias”, disse um trabalhador em Rangum, que não quis ser identificado. “Mas não vamos recuar.”

"Guerra ao povo"

Pouco depois da meia-noite de domingo, todas as quatro operadoras de Internet ficaram sem serviço, que foi restaurado oito horas depois. Nos primeiros dias do golpe, os militares cortaram a Internet em todo o país.

O exército tem levado a cabo detenções e tem, desde sábado, poderes alargados para fazer buscas sem mandado em propriedade privada. No domingo, publicou novas leis para punir dissidência.

“É como se os generais tivessem declarado guerra ao seu povo”, disse o relator especial da ONU Tom Andrews, no Twitter.

Na capital, Naypyitaw, foram detidos cerca de 20 estudantes de liceu, que diziam palavras de ordem de desafio e as postaram nas redes sociais. Ao serem levados, uma voz aconselha: “não insultem a polícia e não assinem nada na esquadra!”

Também em Naypyitaw houve desfiles de manifestantes com imagens de Suu Kyi com a mensagem: “Queremos a nossa líder”.

Suu Kyi passou quase 15 anos em prisão domiciliária pela sua luta contra o regime militar que durou 23 anos, uma resistência pacífica que lhe valeu o Nobel da Paz em 1991.

Mas a admiração internacional foi-se esbatendo por Suu Kyi ter primeiro ignorando a limpeza étnica levada a cabo pelas forças birmanesas contra a minoria rohingya, e depois escolhido mesmo ser ela a representar o país no processo no Tribunal Internacional de Justiça, onde é acusado de uma perseguição a 750 mil rohingya numa campanha de limpeza étnica envolvendo violações em massa, assassínios e destruição de casas que as Nações Unidas dizem ter tido “intenção genocida”.

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