Internet bloqueada na Birmânia com milhares nas ruas a pedirem queda da ditadura militar

Rangum foi palco dos maiores protestos desde que os militares tomaram o poder. Amnistia Internacional diz que corte da internet é uma“decisão hedionda e imprudente”.

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Dezenas de milhares de pessoas marcharam nas ruas de Rangum para condenar o golpe militar Reuters/STRINGER

Os militares bloquearam o acesso à internet na Birmânia este sábado, no dia em que dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Rangum, a maior cidade do país, para protestar contra o golpe militar da passada segunda-feira e exigir a libertação de Aung San Suu Kyi, naquelas que são as maiores manifestações desde que o Exército assumiu o poder.

A maioria dos manifestantes deste sábado estava vestida de vermelho – a cor da Liga Nacional para a Democracia (NLD), o partido de Suu Kyi -, que se tornou num símbolo da contestação aos militares que tomaram o poder por alegarem fraude eleitoral nas eleições de Novembro que deram maioria absoluta à NLD.

Nas ruas de Rangum, segundo o relato da Reuters, o ambiente era de festa, com uma cacofonia de buzinas de carros a ecoar na cidade, com os motoristas a acenarem das suas viaturas com o saudação dos três dedos, inspirada no filme Jogos da Fome (2012) e utilizada por movimentos pró-democracia na Tailândia. Os manifestantes, que ergueram bandeiras da NLD e de Suu Kyi, retribuíam o gesto.

Enquanto marchavam, milhares de pessoas entoavam cânticos a pedir a “queda da ditadura militar” e a “vitória da democracia”. “Estamos aqui para lutar pela próxima geração, para a libertarmos da ditadura militar”, disse uma manifestante à AFP. “Temos de acabar com isto agora.”

“Digam ao mundo o que está a acontecer aqui”, disse outro manifestante ao The Guardian. “O mundo precisa de saber.”

Os protestos estenderam-se também a outras cidades birmanesas, inclusive à capital, Naypyidaw, onde se ouviram motas a buzinar, e milhares de pessoas saíram também às ruas de Mandalay, onde, na véspera, pelo menos 30 pessoas foram detidas.

Em Rangum, as autoridades bloquearam várias ruas e camiões com canhões de água foram mobilizados, apesar de não se terem verificado quaisquer confrontos entre manifestantes e polícia, com a maioria das pessoas a dispersar ao final da tarde. 

Os protestos deste sábado são os de maior dimensão desde que o general Min Aung Hlaing assumiu o poder e decretou um estado de emergência de um ano, sinal de que os birmaneses estão cada vez mais mobilizados contra o golpe militar, num país que durante cerca de 50 anos viveu sob uma ditadura militar.

Internet bloqueada

Todas as noites, os birmaneses vão às varandas, cantam músicas de apoio a Aung San Suu Kyi e batem em panelas e tachos, numa demonstração de fúria contra os militares. Além disso, têm-se destacado as acções de desobediência civil, que começaram com centenas de médicos e profissionais de saúde a abandonarem os seus postos de trabalho, e já se estenderam às universidades e vários sectores públicos.

Estas acções simbólicas são organizadas sobretudo nas redes sociais, o que levou o Exército, a meio da semana, a suspender o acesso ao Facebook, e, mais tarde, a outras redes sociais, como o Instagram, o Twitter ou o WhatsApp.

Este sábado, os militares foram mais longe e bloquearam a internet, numa tentativa de travar o crescimento da vaga de contestação, uma decisão contestada pelas redes sociais e pelas operadoras que actuam no país.

Numa publicação no Twitter, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos disse que os “serviços de Internet e comunicação devem ser totalmente restabelecidos para garantir a liberdade de expressão e o acesso à informação”, enquanto a Amnistia Internacional disse que cortar a internet foi uma “decisão hedionda e imprudente”.

Desde o golpe militar, entre activistas, políticos e manifestantes, já foram detidas mais de 150 pessoas. Este sábado, segundo a Reuters, a polícia fez a primeira detenção de um cidadão estrangeiro, depois de o australiano Sean Turnell, conselheiro económico de Suu Kyi, ter sido levado pelas autoridades, apesar de não ter sido revelado o motivo. A Austrália já manifestou a sua “enorme preocupação” e convocou o embaixador birmanês.

Aung San Suu Kyi, a líder de facto do país, caída em desgraça internacionalmente devido à perseguição da minoria rohingya, mas adorada no seu país, e o Presidente Win Myint estão em prisão domiciliária desde o golpe militar de segunda-feira. Ambos podem enfrentar até três anos de prisão devido a acusações relacionadas, respectivamente, com a violação de uma vaga lei de importação e de violação das regras de segurança impostas durante a pandemia de covid-19.

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