Portugal é dos países que menos investem na resposta à crise

Quem não combate a crise, agrava-a, dá-lhe espaço para crescer. É incompreensível que o Governo assim proceda.

Há uns anos, estava ainda o país a descobrir o ministro das Finanças Mário Centeno, houve uma discussão em que ele deu um ar da sua graça. Quando questionado sobre as cativações que tinha realizado na execução orçamental, em valor muito superior ao que alguma vez tinha existido, Centeno recorreu à poesia. Citando Camões, falou daquela “cativa que me tem cativo”, procurou matar o assunto com uma piada erudita, na esperança que, a partir daí, o assunto fosse tratado com palas nos olhos.

Centeno saiu do Governo, ficou João Leão no turno das restrições orçamentais, mas a caixinha mágica no Ministério das Finanças continuou igual. Havia uma ligeira esperança que uma situação extraordinária no país pudesse levar a resultados diferentes, afinal, a pandemia trouxe a mais súbita recessão económica que alguma vez enfrentamos. Mas, à medida que os meses iam passando, a velha política continuava a mandar  no Ministério das Finanças: as promessas eram muitas, as medidas apresentadas em catadupa, mas depois tudo ficava empatado no ministério. Apoios aos trabalhadores independentes, pagamentos dos lay-off, alterações das regras do subsídio de desemprego ou social de desemprego, apoios à economia: nada conseguia escapar a tempo e horas, chegava tarde e em poucochinho.

A história não contada das negociações orçamentais falhadas entre o Governo e o Bloco de Esquerda passa muito por esta explicação. Havia sinais claros que o Governo não estava a cumprir o que tinha acordado anteriormente devido à contenção na despesa, atrasando concretizações, prometendo várias vezes a mesma coisa sem nunca cumprir o prometido. E insistia que não havia dinheiro para propostas que eram (e são) do mais absoluto bom senso em tempos de contração económica. Agora, sabemos a dimensão entre o que tinha sido acordado cumprir em 2020 e o que, realmente, foi cumprido: 6866 milhões de euros, quase 7 mil milhões de euros. A diferença entre o que o Governo gastou e aquilo que tinha previsto é equivalente a um orçamento anual do Ministério da Educação – um ano completo da Escola Pública. Não há estratégia económica que resista a esta política de cativações e garrotes na execução orçamental.

No início de 2020 ninguém imaginava o ano que teríamos pela frente, a chegada da pandemia e os seus efeitos económicos e sociais. Por isso mesmo, quando o Governo pediu ao Parlamento um reforço orçamental apresentando o Orçamento Suplementar, teve esse apoio. Mas, passado um ano desta destruição económica e das provações que enfrentam as famílias, a economia e os serviços públicos, ninguém compreende como nem sequer tenha sido gasta a despesa inicialmente prevista no Orçamento do Estado, quanto mais o que estava previsto no suplementar. Um governo austero não é o que o país precisa para sair da crise.

Porque deixou o Governo por executar esses 7 mil milhões de euros? Não havia investimento a fazer na Escola Pública ou no SNS? Não havia trabalhadores sem rendimentos que precisavam de apoio? Não havia pessoas a dizer que precisavam de ajuda para pagar a renda? As crianças já têm computadores e acesso à internet, não era preciso preparar o ano letivo?

Com a execução orçamental apresentada, Portugal ficou na terceira posição dos países que menos gastaram no combate à crise. Será que a crise em Portugal é menor? Estarão as empresas mais capitalizadas? Será que o turismo, reduzido quase a zero no nosso país, tinha menor expressão do que no resto da Europa? Não cresceram as desigualdades sociais e a pobreza?

Com as escolhas de João Leão, ficamos no grupo dos países da OCDE que menos despesas adicionais fizeram para reforçar os serviços de saúde. A pandemia foi menor em Portugal?

Não havia investimento a fazer no SNS ou nas escolas? Não havia trabalhadores a necessitar de apoio? Não havia quem precisasse de ajuda para pagar a renda ou as contas do dia a dia?

Quem não combate a crise, agrava-a, dá-lhe espaço para crescer. É incompreensível que o Governo assim proceda.

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