Costa escolhe João Leão, “artífice das cativações”, para suceder a Centeno

João Leão foi o braço direito de Mário Centeno nos últimos cinco anos em tudo o que diz respeito a controlo do Orçamento, desempenhando um papel fulcral na aplicação das cativações e nas negociações salariais com a função pública.

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Da esquerda para a direita: João Leão, António Costa e Mário Centeno, esta terça-feira Rui Gaudêncio
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Para substituir Mário Centeno, António Costa escolheu aquele que, mais de perto, ajudou o ministro das Finanças a cumprir as metas orçamentais durante os últimos quatro anos.

João Leão, o novo ministro das Finanças, tem sido, desde 2015, quando o primeiro governo liderado por António Costa tomou posse, o secretário de Estado do Orçamento. Conhecido pela sua enorme atenção aos detalhes e pela intransigência na negociação com os outros ministérios das despesas extra que esses queiram efectuar, o economista licenciado na Universidade Nova, doutorado no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e professor no ISCTE desempenhou um papel fulcral no controlo orçamental dos últimos anos, sendo a primeira linha de decisão em questões como a aplicação das cativações ou os aumentos salariais na função pública.

Nas cativações – o conjunto de verbas autorizadas pelo Orçamento do Estado mas que ficam congeladas e apenas podem ser utilizadas com a autorização expressa do ministro das Finanças – o papel de João Leão na utilização em larga escala deste instrumento por parte do Governo foi de tal ordem que Mário Centeno o apresentou na convenção nacional do PS realizada no Verão de 2019 como “o artífice das cativações”.

Em 2016 e 2017, as cativações atingiram valores recorde, foram cruciais para atingir as metas orçamentais definidas num ambiente de ainda grande pressão por parte das autoridades europeias sobre Portugal, mas foram algo de fortes críticas por parte dos partidos à esquerda e à direita do governo. Mesmo mais tarde, com o país já a caminhar para o excedente orçamental que atingiu em 2019, os apelos de cada um dos ministérios para a libertação das verbas cativadas tinham de passar pelo crivo sempre exigente do secretário de Estado antes de poderem receber o visto necessário do ministro das Finanças.

João Leão foi também uma das caras do Ministério das Finanças na hora de negociar com os sindicatos da função pública, e em particular com os médicos e os professores, questões como os aumentos salariais, o descongelamento das carreiras ou a recuperação do tempo perdido nas progressões. Foi de João Leão que os sindicatos receberam muitas vezes a notícia de que não havia intenção das Finanças de avançar com o dinheiro necessário para cumprir as suas reivindicações. 

Agora, numa altura em que não se fala de cativar, mas sim de reforçar a despesa pública e aumentar o investimento para retirar a economia da recessão, António Costa parece ter escolhido um ministro que, pela experiência dos últimos anos, lhe dá garantias de não querer deixar derrapar o défice e a dívida para além do estritamente necessário. Quando o apresentou, o primeiro-ministro salientou, para além do seu papel na execução da política orçamental do Governo, ainda o facto de João Leão ter sido, entre 2010 e 2014, director do Gabinete de Estudos do Ministério da Economia, o que lhe dá, segundo António Costa, um conhecimento da economia portuguesa que é agora “mais importante do que nunca”.

A ideia de que esta é uma escolha de “continuidade”, como também fez questão de frisar António Costa, é reforçada pelo facto de João Leão ter estado sempre ao lado de Mário Centeno desde o momento em que, ainda com o PS na oposição, um grupo de economistas coordenado pelo ainda ministro das Finanças traçou o cenário macroeconómico para a legislatura seguinte, o documento que serviu de base para a definição da política económica e financeira dos anos seguintes.

Paulo Trigo Pereira, economista e ex-deputado do PS que também fez parte do grupo de 12 economistas que delinearam o cenário macroeconómico do PS em 2015, assinala a importância de uma continuidade de políticas, algo que pode ser garantido por João Leão, defende. “A fase em que vamos entrar agora vai ser muito díficil de gerir orçamentalmente, com alguns ministros sectoriais a achar que vem um maná de Bruxelas. Por isso, ter alguém como Joao Leão, que conhece muito bem o governo e a execução orçamental, a refrear esses ímpetos parece-me essencial”, afirma.

Já a economista Susana Peralta tem dúvidas que João Leão seja capaz de desencadear uma mudança que é necessária no processo orçamental português. “É necessário dar autonomia e responsabilizar pelas escolhas orçamentais os vários responsáveis do sector público. Para isso, falta dotar a máquina da administração pública de meios técnicos e humanos capazes de gerar e tratar informação de apoio à decisão. O que teria a vantagem de atacar o outro calcanhar de Aquiles do orçamento português, que é a sua falta de transparência para com eleitoras e eleitores. Será João Leão, o homem da mão de ferro, a pessoa certa para trilhar este caminho, para mais nos tempos de apertos que aí vêm? É pouco provável. Mas a sua inteligência está à altura do desafio”, escreve a economista num artigo de opinião no PÚBLICO.

Nas suas relações com os partidos da oposição, o novo ministro das Finanças, que irá tomar posse na próxima segunda-feira, 15 de Junho, foi, em algumas das discussões no Parlamento sobre alterações à proposta do OE, um dos mais vocais nas críticas ao PSD, quando este partido ameaçava colocar-se ao lado da esquerda parlamentar para aprovar medidas com impacto orçamental negativo. Tanto na discussão da descida do IVA da electricidade como na das progressões dos professores, acusou o partido liderado por Rui Rio de “irresponsabilidade tremenda”.

Não se conhece ainda com que equipa irá trabalhar João Leão nas Finanças, sendo certo no entanto que, para além de um novo secretário de Estado do Orçamento, terá que encontrar um substituto para Ricardo Mourinho Félix, que também sai da sua secretaria de Estado.

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